1.5.07

Esboços

Era uma vez uma menina que gostava de contar estórias e desenhar bichos. Seu nome era Beatriz.
Os bichos falavam com ela e ela conversava com eles, e com os desenhos. Claro! Que autor não fala com os personagens? Qual criador abandona as criaturas à própria sorte? Jamais seria Beatriz.
A menina cresceu e virou uma grande autora de livros infantis.
A estória podia terminar por aqui. Mas quem pode resumir qualquer vida num esboço – a vida que leva a destinos que nem podemos imaginar?
Beatriz foi o esboço de si mesma até um dia: o dia em que foi publicada. E o livro pronto foi o esboço do que Beatriz queria dali em diante fazer.
Como a infância esboça os anos mais tarde, na preparação dos papéis, na experiência das tintas, na descoberta de formas e cores. Em cada criança o futuro brinca de agora sem a obrigação de acontecer. De mentirinha tão verdadeira que da fantasia aparece a centelha do que pode vir a seguir.
Em cada criança o futuro brinca de agora enquanto não chega a hora de achar no espelho um passado até então impossível de estar ali. O passado esboço do futuro flagrado no presente faz erodir a inocência divertida de ser o que não se era, para descobrir a velocidade com que se passa da imitação ao que se é.
Nenhum esboço fornece decerto o projeto daquilo que vem a ser cumprido. O bom dos rascunhos é a possibilidade aberta de sempre surgir outra coisa, além do que se vê, fora do que se previu.
Por outro lado, um esboço que se cumpre deixa de ser esboço para ganhar traços firmes, cores fortes, formas certas. É o tempo bem desenhado num caderno cheio de esboços e história pra contar.
Mas como Beatriz sabia, sempre há mais para desenhar: uma folha em branco convida o agora a brincar de futuro no esboço do que será.

Miss Potter (Inglaterra/EUA, 2006)
Direção: Chris Noonan
Com Renée Zellweger e Ewan McGregor