27.5.08

Ponteiros

Visões extremas se reconhecem do outro lado da linha.

O que acontece quando a vida em seu apogeu se depara com a decadente espera do fim? Quando a exuberância da flor abre-se à luz do dia e se espanta com o brilho esmaecido dos olhos da noite?

A poesia e o desespero coexistem, formando o desespero poético e a poesia sem esperança. Coexistem, sem anular-se, partícula e antipartícula da eternidade em forma de carne. Coexistindo, atraem-se.

A atração abranda o choque. Atração pela queda misteriosa, de um lado, e pelo viço perdido com a ferrugem, de outro. Os limites da atração são nítidos, invioláveis as fronteiras – entre o auge da juventude e o último degrau do discernimento. Ainda assim, há encruzilhada.

Encruzilhada em que o paradoxo não descamba no confronto comum em que se metem visões extremas. A força não expulsa a fraqueza, o movimento não desdenha a paralisia, a liberdade não condena a prisão.

O cuidado recíproco, todavia, é distante. A matéria pensante esconde o que a mente rotula de afinidade, afastando-o como se repara de longe o costume exótico, o pitoresco que nunca está próximo o bastante para deixar de ser aparência ou engano.

Mas a ligação impossível e inevitável acontece: ligação de avessos, de complementos não opostos, de ponteiros paralelos no segundo que não se repete.

De pedaços polares da mesma linha querendo saber o que os torna tão diferentes, se o trajeto que separa os pólos não é dado, se a flor da juventude está no velho, se o outono da idade está no jovem.


Vênus (Venus, Inglaterra, 2006)
Direção: Roger Michell
Com Peter O’Toole, Vanessa Redgrave e Jodie Whittaker.