22.10.08

Destinos cruzados

A pergunta – E se eu não for o melhor para esta pessoa, e tudo o que conseguir dar se revelar menos do que ela mereceria ter? – é presunçosa na melhor hipótese, covarde na intermediária, e pura inversão narcísica na pior delas.

A presunção é leve diante das outras porque advém de uma preocupação sincera, ainda que desmedida. O presunçoso ou a presunçosa “estão se achando”, mas no fundo sabem que a resposta esperada não guarda relação concreta com a pergunta formulada. É a proximidade que se deseja, e nenhum espírito superior justificaria um afastamento em nome desse receio.

A covardia está no meio do caminho entre a idiotice insegura e a adoração de si mesmo. Os covardes amam sofrer antes de sofrer por amar, e isso diz muito do romantismo choroso dos poetas lamurientos, tanto quanto da síndrome shakesperiana dos amantes solitários. Lamúria e solidão que não se observam no caso da poesia que canta a paixão sorvida até a última gota, ou da separação que sucede os encontros bem aproveitados.

O narcisista incurável, por sua vez, acredita na pergunta que se faz, só que a compreende pelo avesso: ninguém será capaz de lhe dar o que exige o seu ego hipertrofiado. Diante do espelho, a perspectiva de trocas recíprocas, perdas e renúncias não se apresenta como algo aceitável. Além de egoísta, Narciso é presunçoso e covarde, e por isso esta é a pior hipótese para a raiz da questão formulada.

Também se pode alegar a intrincada teia das circunstâncias, como sempre, para pular fora ou não assumir o risco de uma relação. A desculpa das circunstâncias serve a todos, como se não fosse exatamente devido às circunstâncias que o pensamento precisasse organizar-se para agir. Atenuantes não alteram as conseqüências, assim como o julgamento póstumo não muda qualquer decisão.

A rede circunstancial que envolve a dúvida sobre “o melhor” para a outra pessoa ainda se vale do argumento do tempo, ou mais precisamente, do timing, utilizado como túnel de fuga. A força do timing é avassaladora, pois, como certas teorias, inexiste o contraponto, e o que é dito se basta. Mas se você não constitui o melhor para o outro agora, poderia ser outra hora? Poderia ter sido antes? Ou vir a ser em um mês, ou em dez anos? O argumento do tempo é circular e não conduz a razão alguma.

A sorte é que esse tipo de pergunta é inócuo quando o monólogo à frente do espelho é deixado para trás graças à presença salvadora de quem importa – aquela outra pessoa que decifra em nós a cretinice de querer dirigir o destino alheio a partir do centro confuso do nosso incerto destino.


Amigos, amigos, mulheres à parte (My best friend’s girl, EUA, 2008)
Direção: Howard Deutch
Com Kate Hudson, Jason Biggs e Dane Cook.