22.2.09

O poço e a árvore

Eles atingiram pontos opostos, um encolhido no escuro, o outro assustado lá em cima, feito dois bichos acuados, em fuga. Separados antes de consumarem a separação. Enquanto um cai do solo falso de uma armadilha, o outro sucumbe à paralisia comum ao último lance da escalada – e assim, um busca a luz que vem do alto, no momento em que o outro sonha com a segurança vertiginosa do chão.

Depois do caminho longo de mãos dadas, de repente se encontram como o fundo do poço e o alto da árvore, cada um no seu canto, sozinhos, perdidos, náufragos do olhar cujo relance, antes, significara a confiança de uma jornada sem riscos. O primeiro naufrágio, da paixão, fizera da união de dois uma ilha segura fora do mundo. Agora, o segundo naufrágio fez o mundo surgir de novo e a ilha sumir por desencanto.

O mais difícil é acreditar que não ocupam o mesmo lugar. Tudo o que queriam na partida era trilhar a mesma estrada, no rumo idêntico cujo destino não mudaria, desde que houvesse a ilha e a garantia de que o porvir imaginado não cederia à oxidação, não baixaria a guarda para invasores de sua pequena utopia. O mais difícil é acreditar que a utópica ilha desapareceu – ou, pior, que nunca existiu.

Uma descoberta se insinua na incredulidade dividida: descobrem que a ilhota de dois não suporta duas utopias.

Do alto da árvore e de dentro do poço, perguntam-se como foram parar ali. Seria possível voltar ao começo, retornar ao ponto em que os passos não tinham sido dados e, portanto, o destino não tinha saído ao seu controle? (Como se o destino apenas pudesse vingar enquanto não fosse, como se o futuro apenas valesse enquanto não chegasse.)

Onde estava o sonho que sonharam? Não se lembram... ou pelo menos, não se lembram da mesma forma quando, lá para trás, o que importava era apenas o outro, as mãos entrelaçadas e a extensa liberdade prometida a ambos.

O sonho unificado na ilha foi se modificando à medida em que a extensão livre ia se tornando mais curta e menos livre, preenchida pelos anseios, as metas imediatas, as carências e os êxitos de cada um. Os planos vagos e eternos do casal divergiram dos planos concretos e mutantes dos indivíduos, até que o sonho evaporou.

A paixão imortal não tardou a entrar em coma. O futuro idealizado em seu êxtase e glória se fechara num modelo intocável de realização conjunta, do qual dificilmente seria dito que estava, àquela altura, intocado. A ilha afundou no mar do real.

Restava uma ligação entre o poço e a árvore, à espera de um desfecho, uma resposta para o impasse – a ligação com o passado submerso na memória da pequena utopia.


Foi apenas um sonho (Revolutionary road, EUA/Inglaterra, 2008)
Direção: Sam Mendes
Com Kate Winslet e Leonardo DiCaprio.