30.10.09

O morto pede passagem




O presidente dos EUA, Barack Obama, bate continência ao corpo de soldado morto no Afeganistão.
Morto na guerra pela pátria... que continua matando gente em nome de que?
Obama analisa a possibilidade de enviar mais corpos para o Afeganistão (sem contar os que deixa por lá).

Foto: O Globo/AP

28.10.09

Dia Internacional da Animação






Para marcar o dia dos cartoons, nada melhor do que Pernalonga. O desenho praticamente acompanha a história da TV, tendo aparecido pela primeira vez em 1938. No Brasil, ele chegou nos anos 1960.
Com seu cinismo malandro, a vontade de levar vantagem em tudo e a disposição de nunca perder uma piada, Bugs Bunny se sente em casa - mais do que Zé Carioca, é Pernalonga o personagem animado que encarna bem o "jeitinho" nacional.

27.10.09

A imagem que denuncia

















O corpo emite calor. Quando a gente fica doente, e a doença manifesta uma febre, o corpo fica mais quente. A temperatura elevada pode ser detectada através da imagem produzida por câmeras especiais – scanners térmicos – que apontam exatamente a diferença entre a saúde e a doença.

No Aeroporto de Manila, nas Filipinas, foram colocados hoje quatro novos scanners térmicos no saguão de desembarque dos passageiros, com a capacidade de captar variações de temperatura nos corpos a uma distância de cem metros. A medida é para identificar eventuais portadores da Gripe Mundial, ou gripe A (H1N1). Até este mês, pouco mais de 5 mil casos de gripe A foram registrados, causando 30 mortes no país.

(Foto: Rudy Santos/Philstar.com)

História de conto de fadas




Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, "A vida dos outros" foi citado esta semana pela ex-ministra alemã Marianne Birthler, atualmente na Unicef e conselheira da Transparência Internacional.

Em entrevista à revista Istoé, Birhtler diz que o filme é uma obra de pura fantasia, pois não há evidências históricas que comprovem que um caso como o retratado tenha algum dia ocorrido.

Como todo o sucesso alcançado pela produção, de 2006, se baseia nessa vinculação realista com as práticas na Alemanha Oriental poucos anos antes da queda do Muro de Berlim, a declaração vale como alerta para os limites da licença poética, indicando que devemos sempre levar muito a sério, como premissa, a desvinculação entre a história roteirizada e o roteiro da história real.

Eis o trecho da entrevista em que o filme surge na conversa, em provocação direta da repórter Carina Rabelo:

ISTOÉ - O filme "A Vida dos Outros" (2006) mostra como um policial protegeu um investigado por consciência. Há algum paralelo com a realidade?

Marianne - O enredo do filme é um conto de fadas. Não temos notícia de oficiais da Stasi que protegeram pessoas espionadas. Isso nem teria sido possível, pois os colaboradores da Stasi também eram supervisionados. Na rotina da Stasi, todas as atividades descritas no filme eram separadas e executadas por colaboradores distintos, que nada sabiam um do outro e, muitas vezes, nem conheciam a finalidade da sua tarefa. O objetivo era impedir que uma pessoa soubesse demais ou pudesse pôr algo em movimento.

26.10.09

Microsimetria




A foto aí de cima é do brasileiro Bruno Vellutini, biólogo da USP, que ficou em quinto lugar no concurso Nikon Small World de microfotografia. Retrata a "superfície oral" de uma estrela do mar em ampliação de 40 vezes.

E logo abaixo, a foto campeã: detalhe da planta Arabidopsis thaliana, captada por Heiti Paves, da Estônia.

A simetria do mundo natural é cada vez mais impressionante - e quanto mais longe podemos ver, mais pasmos ficamos.




25.10.09

Relógio romântico




A viagem no tempo é atraente porque esconde uma fantasia nem sempre confessável: a de estar em dois lugares simultaneamente. De preferência, pontos opostos, cuja existência paralela implique na possibilidade de fuga, abrindo um túnel no universo linear marcado pelo relógio humano e permitindo a escolha ambígua, imprecisa, provisória, uma vez que a qualquer momento o momento pode ser outro, não sendo o presente garantia de nada.

Nessa perspectiva, surge a mesma imagem em espelhos justapostos, criando reflexos ligeiramente fora de sintonia. Você pode se encontrar com a paixão de sua vida ainda criança, e preparar o terreno para a confirmação do destino. Pode estar diante de si com uma diferença de décadas de idade, e dar conselhos valiosos para si mesmo. Pode ver o futuro e o passado enquanto perde o compasso da hora – e como é uma espécie de lei das viagens no tempo que aquilo que está escrito necessariamente se cumpre, você não pode mudar nada enquanto viaja, não há o que fazer, a não ser conformar-se com o irreversível, o inexorável.

No fim das contas, o viajante do tempo parece condenado a um ir e vir sem sentido. A fuga é um poder que não compensa. A alegria de subverter a cronometria logo sucumbe ao sofrimento de impotência na presença de fatos determinados. Uma presença duvidosa, realista e ilusória, a encher de culpa o fugitivo amedrontado. O poder sonhado se transforma em tal transtorno que pode ser retratado como doença psíquica, ou anomalia genética. Como se sair da linha do tempo fosse uma doença rara, sem cura.

Estar simplesmente presente, aqui, como escreveu Rainer Maria Rilke, é demais: sempre alguma coisa nos requisita, e de uma estranha maneira o mundo continua a nos chamar, disse o poeta, citado pela escritora Audrey Niffenegger. Esse constante chamado do mundo é uma pressão sobre os atos que ainda nem pensamos, sobre as idéias que nem descobrimos, sobre as palavras que nem ensaiamos.

E sobre o amor que mal acordamos... O tempo mais que tudo aflige os enamorados, como o demonstra o próprio Rilke neste poema:

O mundo estava no rosto da amada -
e logo converteu-se em nada, em
mundo fora do alcance, mundo-além.


Por que não o bebi quando o encontrei
no rosto amado, um mundo à mão, ali,
aroma em minha boca, eu só seu rei?


Ah, eu bebi. Com que sede eu bebi.
Mas eu também estava pleno de
mundo e, bebendo, eu mesmo transbordei.


(Tradução: Augusto de Campos)

O martírio do mundo-além pode suscitar o confortável delírio determinista, que ameniza a visão apaixonada com a certeza de que o impossível, uma vez tocado, será colhido, adiante, como o natural desfecho da semente brotada. Permanece, contudo, o desconforto. A sensação de plenitude contradiz o insuperável vazio, o fim da solidão é também a chegada da solidão sem fim.

Por isso estar e não estar aqui, agora, habitar e desabitar o real são faces de um conflito posto em marcha, notadamente, quando o tempo se altera, diminui, para e acelera, movido pelo mecanismo descontínuo dos relógios românticos.

Te amarei para sempre (The time traveler’s wife, EUA, 2009)
Direção: Robert Schwentke
Com Rachel McAdams e Eric Bana.
Baseado no livro de Audrey Niffenegger.

Fumaça em Bagdá




Coluna de fumaça se ergue novamente na capital iraquiana.
Desta vez não foram mísseis americanos, e sim dois carros-bomba em atentado terrorista.
Deve ser a cidade que mais queima na Terra nas últimas décadas.
Depois dos cogumelos japoneses de Hiroshima e Nagasaki, as fogueiras de prédios e corpos que se lançam aos céus de Bagdá e circulam o mundo pela TV encerram as cinzas de contradições políticas e religiosas de nosso tempo.

24.10.09

Corpos em oferta




Em reação criativa à violência, a ONG Rio de Paz ocupou hoje a praia de Copacabana com carrinhos de compras carregando vítimas simbólicas da guerra civil. O protesto foi inspirado em vítima real, encontrada desse modo no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, cuja foto estampou os jornais semana passada.

Viagem visual




LoopLoop from Patrick Bergeron on Vimeo.

Esse curta é muito bom. Exibido ontem na Janela Internacional de Cinema do Recife, o efeito misto da velocidade com a fragmentação é fantástico.

E pelo menos na tela grande, a sensação de movimento para quem está vendo é bem real.

Matadouro

A foto de Antonio Lacerda, da Agência EFE, mostra um policial puxando uma carroça com corpos encontrados nos morros do Rio, depois de uma semana sangrenta.

Chocante. Massacrante. Horrível.

Um pouquinho de noção nessa guerra civil aberta aconselharia, ao menos, o recolhimento de cadáveres com o mínimo de respeito - pelos mortos e pelos vivos.



4.10.09

A casa na cachoeira












Vida quieta no canto espreita intrusos, confere gavetas. Retoca gestos, reconstitui silêncios. Acostumada à banal reprise das horas – banalidade em cascata que se torna mais cara ao hábito que se cultiva.

O hábito tem o que proteger. O romantismo descoberto na infância é regado até a morte. A única exceção permitida ao rigor da vida quieta: fecha o círculo complementando a regra, sendo, na verdade, a sua melhor justificativa. A outra face da quietude, onde repousa o prazer da instabilidade por perto, raiz da alegria serena multiplicada por duas.

A costumeira presença é o álibi contra os desvios, a defesa diante de todos os males e a desculpa para a despensa de oportunidades que perturbariam a convivência, tirando as coisas do eixo. As oportunidades perdidas garantem a cumplicidade eterna, dando a impressão convicta de que a melhor oportunidade é a que resiste a todas as outras. Como um sonho pendurado na parede enquanto outro sonho se passa.

Mas a costumeira presença também bloqueia o amargor do tédio, ativando a sensação do sabor que vale a pena repetir. A silhueta no espelho não provoca cansaço algum. O mesmo reflexo conhecido, em uma infinidade de ângulos impensáveis. Assim a vontade aquietada faz-se refém satisfeita da surpresa constante, ali mesmo, dentro de casa, na companhia que não muda e não enjoa.

Até que a surpresa some. A eternidade afia os dentes, anunciando a tempestade. Um silêncio medonho desperta. A casa está solitária, a cachoeira de bons momentos, seca. Refletida univocamente, a imagem não traz a mesma graça. Bate e volta uma sombra depois do brilho ter ido embora.

Sem a dádiva junto, sobe a melancolia que nem se desconfiava, pois um manto seguro a escondia. A casa agora é previsível: tudo responde à lógica do indivíduo entregue aos seus atos e hiatos, miséria e desassossego. Para a destruição total, a demolição iminente não vem do lado de fora. Vem do lado de dentro. As fundações ruíam antes que se insinuasse a ameaça ao redor.

A casa na cachoeira é a fotomontagem de um paradoxo. Paz à beira do abismo, vertigem a um passo da poltrona da sala. A casa real tem que voar até a cachoeira imaginária. A casa ideal, fora do chão, sem a raiz que a suportava, pode enfim ser levada para o lugar onde mora o sonho, no despenhadeiro da memória.


Up – Altas aventuras (Up, EUA, 2009)
Direção: Pete Docter
Animação.