28.11.09

Lavando as mãos pelo Irã




A abstenção do Brasil na votação de ontem na Agência Internacional de Energia Atômica da ONU foi uma eloquente demarcação de território para a diplomacia brasileira – a assumir um papel relevante nas questões mundiais, preferimos ficar num lugar discreto, “não mexa comigo que não mexo contigo”, no limbo dos omissos, comodamente instalados no tabuleiro global como participantes “café com leite”.

Após a cordial visita do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, ao amigo Lula, na semana passada, esperava-se ao menos uma tomada de decisão cristalina por parte do Itamaraty, contra ou a favor a moção de censura da ONU dirigida ao Irã. O Brasil não teve coragem de se opor a ninguém, reiterando a ambígua neutralidade que põe o País em cima do muro diante de decisões impostergáveis.

O fato recorda Pôncio Pilatos, que do alto de sua autoridade de juiz teria deixado a decisão sobre a crucificação de Cristo para a democrática vontade do povo, com o simbólico ato de lavar as mãos pela escolha da maioria. Mas é uma má analogia: o voto brasileiro na AIEA não sucumbiu à vontade coletiva de repudiar a política nuclear do Irã, cujos indícios são cada vez mais na direção da construção da Bomba.

Parece mais com a cena de O Aviador em que Howard Hughes, interpretado por Leonardo DiCaprio, sai de uma conversa com um empresário concorrente e vai ao banheiro do clube para lavar compulsivamente as mãos. Obcecado pela higiene, Hughes descarrega ali toda a raiva pelas “palavras sujas” proferidas pelo adversário – e por ele – durante o encontro, esfregando tanto o sabonete que as mãos chegam a sangrar.

A abstenção de ontem foi um corte nas mãos da diplomacia brasileira, que se esmera em parecer “limpa” a ponto de trocar o comprometimento e a responsabilidade pela automutilação.


Foto: Agradecendo antecipadamente ao Brasil,
Ahmadinejad na sede da ONU, em Nova Iorque,
em setembro. (Mike Segar/ Reuters)

23.11.09

Lula e Ahmadinejad em alto astral




Os presidentes do Brasil e do Irã, em clima de descontração, hoje, no Palácio do Itamaraty, em Brasília.

Uma foto para guardar na memória, ficar na história – e não se perder, nem de uma, nem da outra.

Foto: AFP.

22.11.09

No espelho da oficina espacial




O astronauta Robert Stacher aproveita um intervalo da sua primeira caminhada no espaço para tirar uma foto que já virou tradição, apontando a câmera para si mesmo. O capacete espelhado mostra um pedaço do vazio orbital em que Stacher e seu parceiro no passeio, Mike Foreman, dão uma de mecânicos na Estação Espacial Internacional (ISS).

A missão da Atlantis que está lá em cima está promovendo reparos na antena da ISS, e lubrificando os equipamentos robóticos.

Curioso é como, em pleno vácuo nas bordas da Terra, onde a vista pode se perder de vista, a sensação causada pelo reflexo no capacete do traje espacial seja uma sensação claustrofóbica – provavelmente causada pelo confinamento de tantos elementos incomuns no campo visual do mecânico celeste.

Foto: Nasa

20.11.09

Cinema verdade




Em entrevista exibida agora à tarde pela MTV, a atriz Kristen Stewart, do filme Lua Nova, disse que gostava de fazer as cenas apenas uma vez - porque se tivesse que repetir, seria como se estivesse mentindo.

16.11.09

Crítica ao otimismo ideológico




Vale dar uma olhada na entrevista da jornalista Barbara Ehrenreich na Istoé desta semana, sobre o que ela chama de “ditadura do pensamento positivo”. Barbara teve câncer e foi confrontada, além da doença, com a “ideologia organizada” da autoajuda que impõe o otimismo como princípio de cura para todos os males.


Alguns trechos da entrevista:

Falsa promessa – “Estamos acostumados a ouvir que, se pensarmos positivamente, as coisas boas virão. (...) As pessoas não podem continuar se autoenganando continuamente sem correr sérios riscos”.

Individualismo – “É só você que tem que mudar, o mundo não. Os livros de autoajuda nunca perguntam como seus desejos podem entrar em conflito com os do outro”.

Segregação – “Ninguém quer estar em torno de pessoas negativas, reclamonas, choronas ou vítimas. Elas se tornaram o equivalente moderno dos pecadores”.

Saída – “Por que não tentar olhar para o mundo, tanto quanto possível, como ele é? E ver quais as oportunidades e os perigos, e aí tentar descobrir o que fazer a respeito deles”.

No filme Sim, senhor, com Jim Carrey e Zooey Deschanel (foto), a história narra a mudança na vida de um personagem que diz “não” a tudo e passa a dizer “sim” depois de ir a uma palestra de autoajuda. Aborda de maneira leve os dois tipos de radicalismo, mostrando com bom humor os equívocos do excesso em qualquer dos casos.

13.11.09

Invenção da verdade




"A verdade literária é aquela que é inventada para ser verdadeira".

Milton Hatoum, autor de A cidade ilhada, no Espaço Aberto Literatura da Globonews.

Foto: Istoé.

Encontrado gelo na Lua




Ali onde a seta aponta pode ter 90 litros de gelo, logo abaixo da superfície lunar.

Para o cientista-chefe da Nasa, Michael Wargo, "a Lua esconde muitos segredos", e um deles acaba de ser revelado, em uma região que não recebe incidência de luz do sol há bilhões de anos.

12.11.09

Sombras do apagão




O blecaute de ontem à noite expôs a fragilidade do sistema de distribuição de energia no Brasil: um país com o tamanho do nosso, à mercê de uma ventania ou de uma tempestade, a se fiar nas palavras do governo sobre a causa da falta de luz que deixou às escuras 18 estados, entre os quais os mais populosos. Assustadas, ou por pura precaução, as pessoas hoje foram às compras atrás de lanternas e velas...

Tem gente dizendo até que foi obra de hacker, ou seja, terrorismo tecnológico, o que o governo Lula nega com veemência.

O mais provável é que tenha sido efeito de um sistema mau gerido. Incompetência mesmo.

Foto: Agência Estado

10.11.09

O dominó de Berlim e o destino dos muros




Em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em outubro, o professor Giannotti fez uma afirmação que também diz respeito ao futuro dos muros: “Não me parece mais adequado pensar numa política que desemboque numa negação política, a partir da qual uma nova história teria início”. A redução de horizontes proporcionada pelas muralhas procura negar, tirando de vista, a ameaça que se esconde. E assim, a negação aposta numa acomodação improvável da história – o que é pior, fazendo de conta que a situação inexiste, contribui para que se chegue a situações-limite, quando a manutenção de uma ordem represada torna a fantasiosa realidade algo insustentável.

A celebração na capital alemã ontem simulou a queda de regimes políticos “do Leste” através de mil grandes pedras de dominó decoradas por artistas, que foram empurradas pelo ex-líder sindicalista polonês Lech Walesa. “O destino da humanidade é o que os seres humanos fazem dele”, falou o presidente dos EUA, Barack Obama, em mensagem gravada para o evento. Pena que a eleição de Obama ainda não significou o avanço que se espera dele. Com boa parte desse destino sobre seus ombros – pelo menos, é o ser humano de quem mais se aguarda, hoje, um bom exemplo – o primeiro negro na Casa Branca não conseguiu deixar a prática dos muros para trás.

A solução provisória dos muros pode parecer, para quem se serve de sua “segurança”, seja do lado de dentro (como os israelenses), seja do lado de fora (como os moradores do Rio, isolados das favelas), a solução mais rápida e eficiente. Mas se fosse tão simples, a discórdia que os muros encerram logo diminuiria, e não é o que se verifica. Cada muro levantado é uma afronta, um constrangimento e uma provocação a um dos lados. Por isso a discórdia tende a crescer, enquanto a paz depender de uma gambiarra murada.

Foto: Tobias Schwarz/ Reuters

9.11.09

O de Berlim e outros muros




A retirada de um muro não significa a extinção de todos. A destruição do símbolo da Guerra Fria, vinte anos depois, parece não surtir qualquer efeito sobre a capacidade da insensatez humana de erguer muros em lugar de soluções. A queda do Muro de Berlim encerrou um ciclo da história, mas não impediu que a história dos conflitos territoriais seguisse o seu trágico rumo – como segue na fronteira que separa o México dos Estados Unidos, ou na barreira que divide a disputa de fé entre palestinos e israelenses.

Em recente edição do programa de TV paga Globonews Painel, o filósofo José Arthur Giannotti disse que tudo o que faz um muro é adiar o problema que os seus construtores não se vêem em condições de resolver. O muro é desta forma, podemos dizer, um espelho da indolência, da incompetência e da falta de criatividade políticas – além de concretíssima confissão de intolerância e falta de vontade para o diálogo. O muro guarda o “mundo do bem” do “mundo do mal”, afasta os “escolhidos” dos “bárbaros”, protege o “paraíso” contra os invasores do “inferno”.

No mesmo debate, o professor Guilhon de Albuquerque afirmou que a mentalidade dicotômica permanece presente na diplomacia internacional, sendo exemplo evidente o bolivarianismo de Hugo Chávez. Para o professor Guilhon, apenas a China, neste aspecto, entrou de fato no século 21, rompendo os conceitos polarizados e buscando tirar proveito de uma realidade multipolar sem se importar com a antiga contenda ideológica.

Antes de tomar lições com a China, entretanto, vale questionar a facilidade com que a nova real politik do imperial capitalismo chinês tem atravessado o mercado liberal-democrata e a cultura ocidental. Das duas, uma: ou o sistema dirigista está perdendo força diante da fresta econômica, ou o “espírito do muro” que se espalha na Europa e nos EUA se mostra em sua verdadeira face, quando admite sem constrangimento a parceria com a ditadura chinesa.

Foto: NATO/Getty Images

5.11.09

Galeano proustiano




A Fliporto começou agora à noite em grande estilo, com palestra e leitura de Eduardo Galeano.

Referindo-se a seu livro mais recente publicado no Brasil - "Espelhos" - tendo na platéia a presença do tradutor, Eric Nepomuceno, e outros escritores, como Antonio Skarmeta e Ariano Suassuna, Galeano não podia ser mais proustiano:

"Nada melhor para compreender o universo do que um buraco de fechadura", disse ele.

Pelo buraco de fechadura da história oficial, Galeano conta histórias de personagens reais e fictícios, suscitando novos ângulos, colorindo cenários conhecidos.

"O arco-íris terrestre é mais variado e mais belo do que o arco-íris do céu", garante o escritor.

Os ouvintes-leitores de Porto de Galinhas e de todos os portos agradecem.

Foto: Vitor Tavares

3.11.09

Mundo perfumado




A mera visão do jardim desperta a memória do perfume das flores, assim como o cheiro da comida atiça o paladar a antecipar o gosto.

Há pessoas que realmente escutam as cores e formas que vêem, outras que enxergam os sons. São os sinestetas, cujo cérebro processa dois efeitos simultâneos a partir de um único estímulo sensorial.

A sinestesia tem origem genética, mas sua ocorrência serve a usos metafóricos desde muitos antes de decifrada.

Lembrei do fenômeno este fim de semana, na platéia do espetáculo “Mundo perfumado”, do Grupo de Dança Primeiro Ato. Foi no Festival de Dança do Recife, no Teatro de Santa Isabel.

A alegria que fica no ar durante a apresentação parece despertar mais que a nossa percepção visual. Será que a arte tem esse poder – de nos brindar a todos, por um momento, com a dádiva dos sinestetas?

O poeta Affonso Romano de Sant´Anna escreveu: “basta olhar a colméia/ para se ver ali/ a geometria do mel”.

Pois basta experimentar a fagulha de olhar o mundo perfumado no movimento dos corpos que fazem a alma do Grupo 1º Ato, para notar ali a geometria do perfume que o mundo pode ter, quando a vida é inspirada criativamente e projetada sobre espelho de poesia.

2.11.09

O Dia dos Mortos para os vivos




"Para que serve envelhecer?", eis a questão fundamental da vida, segundo o filósofo Luc Ferry.

Para ele a resposta é a seguinte:

"Se a experiência humana tem algum sentido é precisamente aquele que consiste na chance que nos é oferecida de podermos nos apartar ao longo de toda a vida de nossa condição primeira, particular, que é a de nosso nascimento."

E assim, conclui, "alargar a visão, amar o singular e viver às vezes a abolição do tempo que sua presença nos dá."

Ferry cita, ao final do capítulo do livro "Vencer os medos", o trecho de um poema de Victor Hugo:

O velho que volta para a fonte primeira
Entra nos dias eternos e sai dos dias cambiantes
Vê-se chama nos olhos dos jovens
Mas no olho do velho se vê luz.

Foto: Thiago Araújo/ Diário do Pará

1.11.09

A luz de Zooey





Chamada de “musa dos homens românticos” por Isabela Boscov na Veja desta semana, a atriz Zooey Deschanel encarnaria um ideal de beleza oposto ao de outras musas, como Megan Fox, representando a “essência”, enquanto Fox seria a “exaltação da forma”.

Nesses olhos azuis tomando toda a tela e atraindo toda a atenção, pode ser vista uma “capacidade de emitir franqueza” que dá a suas personagens um “comportamento sem afetação” cuja expressão vem conquistando cada vez mais fãs. “Ela é um sonho”, diz o título da matéria, motivada pela estréia do novo filme estrelado por Zooey, 500 dias com ela, na próxima sexta, 6.

Com seus olhos acesos e o sorriso fácil, Zooey convida os sonhadores a fazer coro com Romeu, exaltando-a como Julieta: “Oh, ela ensina as luzes a brilhar!”

Mas a espontaneidade exibida nos filmes e a sinceridade concentrada no olhar reforçam o fato de que é através do corpo que Zooey brilha – como qualquer musa do cinema. Se não está exatamente ao lado de Megan Fox, poderia ser perfilada junto a Debra Winger, Michelle Pfeiffer ou Natalie Wood.

A beleza que reluz em Zooey também é a beleza da forma humana, tão sedutora naquilo que mostra quanto naquilo que apenas sugere.