21.2.11

O desfrute da droga amorosa




Modo de estar ou de ser, a paixão parece mesmo uma substância aplicada no corpo, pronta para alterar o juízo... Muda a percepção de tudo. Como saber o que a razão recusa na inundação de um cérebro apaixonado? Como fugir da corrente que define o sentido de cada vão racional por onde passa? O que fazer para levar o pensamento a uma clareira onde se possa vê-lo por inteiro, onde o pensar não seja inútil?

A paixão dita o seu curso até o último suspiro. Até a última gota da inundação química que paralisa o organismo em único propósito. Sem pausa para a lucidez, sem hiatos que sirvam de ilhas para os desesperos da reflexão.

Se o medo insinua um atalho de volta, a sombra generosa da paixão ainda convida. O atalho teria sabor de renúncia. Que fique a razão à deriva, na rota de certa, ainda que breve, ventania.

Abandonar a torrente de sensações, pra que? O horizonte é distante. O futuro continua o presente. O passado, ou é presente derramado, ou não é nada. A paixão é a grande explosão de significado, o nascimento que conta. A ordem cronológica se desfaz diante da desordem que importa.

A derrocada da paixão enquanto cumpre o seu destino é imersão em sofrimento. A estupidez funciona como campo de energia de proteção contra a intrusão da dor. A paixão é uma estupidez necessária para a fruição da paixão. E o destino se cumpra, até o fim do prazer, durante a eternidade do encontro inaugurado com a mesma intensidade a todo apaixonante instante.

O tempo da paixão não se esgota no temor de hipóteses de agonia, mas só começa a estancar no flagrante de entediante reprise. Quando a eternidade, ao invés de perpetuação de benévola dependência, começa a figurar como repeteco sem gosto. A paixão acaba quando dá certo, e o efeito do vício se esgota. Se der mais certo, é porque o amor aprende a se desvincular da própria droga.

Como modo de estar, quase toda paixão tem hora marcada e prazo de validade. Como modo de ser, é distração cambiante, no desfrute intermitente do tsunami passional.


O amor e outras drogas (Love and other drugs, EUA, 2010)
Direção: Edward Zwick
Com Anne Hathaway e Jake Gyllenhaal.