20.5.11

De porta em porta



O idealismo romântico despreza a natureza do ser


É uma noção recorrente a de que um plano superior estabelece as coordenadas que seguimos em nossas vidas, quer entremos por uma porta ou por outra, como se houvesse sempre uma explicação convincente para erros e acertos pelo caminho. E assim confundimos vontade e necessidade, acaso e determinação, o começo de uma jornada com seu imprevisível final.

Destino é aquilo que se conta retroativamente, mas pode ser confortante pensar que tudo está definido, escrito em algum caderno psicodélico, quiçá rabiscado pelas estrelas na hora do nascimento, previsto por algum oráculo morto muitos anos atrás.

Da mesma forma, imaginar sujeitos magníficos escolhidos para um dado curso especial na história do mundo, capazes de guiar a maioria desorientada, é um mecanismo propulsor de enganos, perpetuados rigorosamente pelas doutrinas da salvação. O líder é ungido tanto por um poder invisível, que representa, quanto pelo desejo das massas, que nele crê. O messianismo, por outro lado, se exercita na esperança de que tudo mudará... esperança esfumaçada tão logo a profecia se realize e precise, com urgência, ser substituída.

No carrossel das cartas marcadas, a tradição romântica acompanha o novelo de relações impossíveis que se descobrem, por isso mesmo, inevitáveis, girando da improbabilidade para o grau de possibilidade máximo. Um casal verdadeiro é aquele predestinado, de preferência rodeado de circunstâncias que reforcem o impacto da ordem longínqua no aparente caos das ligações humanas.

O amor, neste cenário montado para uma performance esperada, surge não como surpresa, não como espanto, não como encanto que subverte a montagem estabelecida. O que se reconhece no outro – a imagem de si – reflete um brilho de eternidade que só pode ser visto no espelho das histórias controladas desde a origem, imunes à ação deletéria do tempo e amparadas em firmes convicções.

A felicidade ideal dos contos em que o romantismo domina, vinga e vence, esconde delimitações arbitrárias que desprezam a natureza do ser, lançado ao risco e às variações da existência desde o nascimento, impelido assustadoramente ao idêntico desfecho de toda matéria no universo: decaindo e se decompondo para se recompor adiante, à mercê de um relojoeiro cego (na imagem criada por Richard Dawkins para a evolução).

O determinismo que se espalha em tantas direções faz de conta que existe sempre a porta certa, a pessoa certa, a carreira certa, a hora certa. Mesmo que haja, só se sabe olhando para trás. Enquanto o tempo consome e é consumido em nossa pequena cadeia de acontecimentos, o fato é que as portas não cessarão de se mostrar, uma atrás da outra, chamando para o destino que nunca está lá.


Os agentes do destino (The adjustment bureau, EUA, 2011)
Direção: George Nolfi
Com Matt Damon e Emily Blunt.
Baseado em conto de Philip K. Dick.