3.6.07

Quebra-cabeças

Começamos pelas bordas. É mais fácil identificá-las, ligar as extremidades para fechar a moldura. Os limites achados dão-nos a sensação de dever cumprido, embora o interior do quadro esteja oco e tudo apenas começando.
As peças, do mesmo tamanho, nos confundem. Procuramos padrões além de sua forma semelhante – mas é noutras semelhanças, de cores e desenhos, que depositamos as esperanças. Grupos indefinidos são separados: céus com nuvens e céus azulados, os galhos e o tronco da árvore, ou as flores vivas de um Van Gogh estão à espera da descoberta, do desvelar-se, para que o nosso olhar reúna o que o tempo despedaçou.
Ao final restará uma tarefa, pois a figura inteira pede a distância. Será preciso abandonar o tato que juntou as peças para desvendar algum sentido no conjunto que se mostra de longe à visão.
Talvez não seja o resultado previsto nem desejado. Mas o que era mesmo que prevíamos ou desejávamos? Os modelos são ilusórios. O quebra-cabeças do tempo não tem um cenário-guia estampado na frente da caixa. São apenas as peças soltas que vão chegando uma a uma – segundos, minutos, dias – num fluxo incessante em que sempre faltarão peças, e sobrarão pedaços que não se encaixam e buracos sem solução.
E talvez, entretanto, quanto mais peças contamos mais se torne previsível o destino do tempo amontoado. Afinal as bordas já estão prontas, cada agrupamento em seu canto. Agora é juntar as partes, ver o azul no azul, o branco no branco, Van Gogh em Van Gogh.
O segredo das cartomantes e de todos que lêem adiante é compreender o passado que se posta à nossa frente tal e qual um quebra-cabeças montado – mesmo que não seja possível montá-lo completamente.

Premonições (Premonition, EUA, 2007)
Direção: Mennan Yapo
Com Sandra Bullock e Julian McMahon

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