27.12.11

Auxílio escandaloso




Monumento na Praça dos Três Poderes, em Brasília


O ano político pernambucano terminou com uma bomba de origem retroativa e potencial efeito sobre as eleições municipais. Parece uma aberração, tamanha a dimensão do absurdo: deputados e ex-deputados estaduais estão recebendo parcelas de dinheiro referentes a um “auxílio-moradia” a que supostamente fariam jus, no mandato compreendido entre os anos de 1995 e 1998, mesmo morando na capital. A lista de beneficiados é extensa e conta com expoentes dos principais partidos, inclusive dois pré-candidatos bem colocados nas pesquisas de intenção de voto para a disputa majoritária no ano que vem, como divulgou o blog Acerto de Contas, primeiro a levantar o tapete da triste história.
A vantagem financeira extra já vem sendo paga há três meses, o que significa que nenhum deles pode alegar que não sabia do que se tratava. Se alguém alegar, vai soar no mínimo estranho. Serão 36 parcelas que podem somar R$ 354 mil para cada um, ou até mais. A naturalidade esboçada em algumas reações é sintomática de pelo menos duas graves distorções, que afastam o senso comum do exercício do poder e atiram no lixo o conceito dos políticos.
A primeira seria o descaso com a opinião pública, como se não fizesse qualquer diferença mais uma notícia “caluniosa” nos jornais. A segunda seria o indício do mau hábito nacional, de lidar com o dinheiro do contribuinte ao bel prazer, desprezando as imensas necessidades coletivas que se acumulam em detrimento da cobiça pessoal ou em favor de projetos partidários. “É uma esculhambação. Um deboche que depõe contra a imagem do Legislativo”, definiu em entrevista ao JC o deputado Paulo Rubem, que não aceitou o acréscimo.
A Assembleia Legislativa divulgou nota oficial para justificar a distribuição de benesses respaldada na lei de isonomia salarial entre os Poderes. No entanto, o véu da legalidade não esconde o abuso e a indignidade de um fato merecedor da repulsa da sociedade. Da parte da instituição parlamentar estadual, é lamentável que a Casa de notável tradição e tantos serviços prestados a Pernambuco considere o repasse de recursos desta natureza com isenção de questionamento.
Depois do famigerado “auxílio-paletó” e das suspeitas subvenções a entidades filantrópicas de fachada, a Assembleia deveria ter entendido que a população não tolera a falta de transparência e o abuso na gestão dos recursos. Por outro lado, da parte dos nomes envolvidos, além de lamentável, o recebimento do dinheiro extra a título de auxílio-moradia configura uma atitude imoral – e para o cidadão comum, decepcionante. A OAB encaminhou à Assembleia pedido de informação sobre o caso, e promete acompanhar de perto seus desdobramentos.
Como ressaltou a colunista do JC, Sheila Borges, “o que se espera de homens públicos são bons exemplos”. O auxílio-moradia retroativo, na linguagem popular mais uma “mamata”, dificilmente é inspirador de boas práticas. Trata-se de uma chacota com a honestidade que teima em vigorar no País, onde a ética do dinheiro fácil vai se tornando a cada dia menos surpreendente. O estarrecedor se dilui no que há de deprimente no episódio, atirando às costas dos eleitores a responsabilidade pelo futuro.
O pior é que o auxílio escandaloso nivela por baixo a elite detentora de altos cargos no serviço público nacional. Nos últimos anos, integrantes dos três poderes têm se esforçado para se superar nos privilégios que se concedem, em mútua anuência, aprofundando, sem qualquer desfaçatez, o poço da desigualdade que cerca a sexta economia do mundo.


Foto: Oliver Ross/www.chocolate-fish.net