24.7.12

Neurofilosofia



A ciência costuma abrir trilhas para a investigação filosófica, ao lançar novas perguntas a partir das respostas que elabora. O trabalho do conhecimento não tem fim, e por isso é instigante, apesar de parecer cansativo para quem não se dispõe a enfrentar questionamentos constantes que podem reformular o modo como se vê o mundo – ou ainda, como o indivíduo se vê no mundo que o recebe e envolve.

Se os avanços científicos limpam o terreno para a exploração do pensamento, nas últimas décadas grandes excursões foram possibilitadas pela neurociência. O mapeamento do cérebro e suas relações com o que sentimos e fazemos proporcionou a abertura de veredas incríveis que mudaram a percepção que tínhamos da sua complexidade e do seu papel no organismo humano. O “computador úmido”, na expressão do neurocientista David Eagleman, seguiu a linha evolutiva para desenhar adaptações para a espécie. Neste trajeto, longe de ser um receptor passivo, o cérebro molda a realidade que observa: a subjetividade possui a função objetiva de garantir a sobrevivência, e para isso o cérebro é plástico, dinâmico, e não estático.

Do mapeamento cerebral surge a base para um novo salto – a leitura do cérebro. Em entrevista à Veja, outro neurocientista, Philip Low, falou de um novo aparelho, batizado de iBrain, que ajudará pessoas como o físico Stephen Hawking a se comunicarem. Hawking, gênio que desvendou mistérios referentes ao horizonte de eventos dos buracos negros, atualmente se comunica pelo movimento de músculos da bochecha... mas nem isso será capaz de fazer em breve, por causa do agravamento da doença degenerativa que o mantém prisioneiro no próprio corpo desde a juventude.

A comunicação direta entre o cérebro e uma máquina, que já permite a realização de movimentos virtuais a grandes distâncias, como provou, entre outros, o cientista brasileiro Miguel Nicolelis, antecipa algo imaginado pela ficção científica: o diálogo da telepatia. Diante das vertigens da neurociência contemporânea, no entanto, essa é apenas uma das perspectivas vislumbradas da janela mental.

A pesquisa científica nunca se resume às conquistas que assume. As descobertas, mais cedo ou mais tarde, são pontos de apoio para dúvidas que extrapolam o âmbito do conhecimento de cada época. É assim que a física quântica e a teoria da relatividade amparam, hoje, viagens teóricas como a teoria de cordas, os universos paralelos e o multiverso holográfico. No caso da neurociência, assim como na leitura do genoma, as questões imediatamente postas desafiam os conceitos estabelecidos de natureza humana, de consciência e, para alguns, até de uma alma além da mente.

O mapeamento do cérebro já mostrou que os animais dispõem de níveis de consciência similares aos nossos, embora não carreguem a inteligência consciente que nos atribuímos. De acordo com Philip Low, o que a neurociência procura agora é “descobrir se a consciência está confinada a uma área única do cérebro e se pode ser gravada, preservada e reproduzida”. Isso mesmo, como uma memória transferível do “computador úmido”.

É compreensível e desejável que o ceticismo equilibre o delírio no esboço de explicações para perguntas que talvez jamais venham a ser respondidas. Como de hábito, a filosofia corre atrás dos cientistas num primeiro momento, para em seguida buscar a visão privilegiada do que se descortina aos observadores, em um universo em expansão contínua.



9.7.12

Do local para o global



A extensa pauta de discussões, a quantidade de pessoas e organizações presentes e até as extravagantes manifestações que deram ao encontro de quase duas semanas um clima de carnaval fora de época, criaram a expectativa de que a Rio+20 poderia ter um saldo melhor. Nos últimos dias da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a chegada de chefes de estado reacendeu a esperança de que o documento tímido apresentado pelas delegações, chamado ironicamente de “rascunho zero”, pudesse sair do zero e ser mais que um rascunho, ao receber o título pomposo de “O futuro que queremos” em sua versão final. Mas a chama logo se apagou. Os presidentes passaram, e as metas para um planeta sustentável foram atiradas, como de hábito, para o terreno semeado pela insustentabilidade.

A sensação de frustração no âmbito dos acordos de cúpula, que ignoraram a necessidade de objetivos concretos perseguidos por políticas de amplo alcance e medidas de ruptura dos padrões de consumo, não foi propagada pelo governo brasileiro. Como anfitriã, a presidente Dilma Rousseff insistiu na defesa do minimalismo pactuado, apesar das lacunas evidentes. Ao abdicar da pressão sobre as nações visitantes, o Brasil se limitou a hospedar o maior evento sobre sustentabilidade já realizado, sem exercer a liderança que naturalmente nos caberia. Um País com o capital verde como o que nós dispomos não poderia apenas abrigar a conferência das Nações Unidas com “calorosas boas-vindas”. Foi muito pouco.

Rebatendo as críticas que saíram de todos os lados, o secretário geral da Presidência, Gilberto Carvalho, disse que “seria muito pobre reduzir a Rio+20 apenas àquilo que é o documento final”, preferindo enaltecer a “festa democrática” realizada com sucesso e sem atropelos – embora os moradores do Rio de Janeiro tivessem razões para reclamar, especialmente da falta de mobilidade que entupiu a cidade por causa da passagem das comitivas, apesar da decretação de três dias de feriados escolares e no serviço público. A afirmação de Carvalho serve como reconhecimento oficial do curto fôlego de um documento cercado de grandes expectativas, e que resultou em grande decepção.

O consolo daqueles que participaram das atividades no Riocentro e nos debates e exposições paralelas, como no Forte de Copacabana, no Jardim Botânico e na área portuária do Rio, bem como dos atentos olhares no resto do País e do mundo, é que fica cada vez mais claro o papel de protagonismo das esferas governamentais e não-governamentais locais, diante dos impasses de uma agenda internacional paralisada pela crise financeira. O desafio, a partir do fracasso institucional da Rio+20, é acelerar o mecanismo de programas e projetos exitosos, com base em pressupostos comuns que fazem das iniciativas de ONGs, empresas e prefeituras a melhor aposta, não para o futuro que queremos e não sabemos concretizar, mas para o futuro que podemos construir imediatamente, sem hesitar, nem depender das complexas teias da desgovernança global.

Editorial do Jornal do Commercio, 9/7/12.