29.1.07

A descoberta da diferença

Pode ser que as paixões não sustentem nada porque a matéria condensada de que são compostas evapora-se com o tempo e não deixa pistas do edifício de sonhos projetado em transe, quando a paixão é sólida como o corpo que surge mágico das brumas da multidão.

Pode ser... Mas e se não for? E se do romantismo rarefeito venha um castelo concreto de inimitável beleza transformado na adorável prisão das relações longevas, transparentes como a alma que salta do olhar do outro em muda conversação?

Pode ser que as bobices românticas não mostrem mais que espíritos em convulsão na dependência de uma âncora viva e atenta fora de si, sintoma de doença benigna causada pela pregação convincente da tradição cultural que cultiva a busca de uma realização impossível como fantasia vital.

Pode ser... Mas e se não for? E se no meio da ilusão embasbacada se ache algo alheio à ilusão, tipo a surpresa de alguém que não apenas não se importe com a fabricação virtual como desconheça e saúde os obtusos motivos que unem as pessoas em ligações consistentes após inefáveis aproximações?

Tudo pode ser ou não ser na seara das relações. Contudo “ser ou não ser” aqui não é a questão. Apaixonar-se tanto é forma de queda quanto sinal de elevação no reino breve dos mortais.

Por isso, apaixonar-se é principalmente desfazer-se da crença melancólica de que somos todos iguais perante todos os demais.


O amor não tira férias (The Holiday, EUA, 2006)
Direção: Nancy Meyers
Com Cameron Diaz, Kate Winslet, Jude Law e Jack Black.

8.1.07

Fechado a sete chaves


Os olhos de um velho sem corpo aprendem a dizer muito, inclusive sobre o horror de enxergar de dentro de um corpo que parece não ser mais seu.

Enquanto isso, no espelho das almas que falam e andam, fantasmas assombram o corpo, desejam-no, como à sombra da vida paira a morte. Feitiços de proteção ou ataque erguem a fortaleza de um “corpo fechado”, ou abrem os portões de um castelo vulnerável.

Mas tem que acreditar para que funcione. A fé precisa do corpo escravo. Precisa fazer do corpo engrenagem perfeita, encaixe de mecanismo invisível, peça medíocre de grande máquina imaterial. E apesar de tudo, com supremacia diante dos demais entes animados – matéria melhor que a matéria, o corpo humano submete-se ao incorpóreo.

Fazer do corpo objeto real e irreal, aparente e essencial, no limiar entre aquilo que toscamente percebemos e o que, além do corpo, imaginamos existir – eis o mistério da fé.

Calabouço da consciência ou “buraco branco no tempo” da matéria inanimada, como discorre o físico Peter Russell no livro com este título, o fato é que o corpo humano esconde um segredo trancado a sete chaves.

E ainda teme que a porta, aberta apenas pelo lado de lá, leve ao mundo sem fundo de um não-lugar, sem nada para olhar, onde nem luz haja mais.


A chave mestra (The skeleton key, EUA, 2005)
Direção: Iain Softley
Com Kate Hudson e John Hurt.