22.1.11

Realidade seduzida



Entre os motivos fáceis para gargalhar, um motivo fácil para sorrir.


O papel é secundário, mas a presença rouba a cena quando a beleza aparece, despretensiosamente. Como se não fosse importante. Como se não mudasse o eixo das atenções, e não perturbasse o curso da narrativa. Como um silêncio que abre nova conversa, apresentando a justificativa para falar de outra coisa. Mesmo que não troque o assunto, ela impõe nova perspectiva, enquanto o pensamento vai cedendo espaço cada vez maior à contemplação: diante do belo, a expressão do posto aos olhos perde status para a expressão do susto...

Uma participação pequena na trama não retira a impressão de permanência da personagem marcante. O inverso acontece com frequência. Para dar peso às aparições de poucas linhas, convidam-se nomes famosos para conferir charme aos instantes cruciais da história. Coadjuvantes de luxo dispensam explicações porque atraem a curiosidade do público. Ao alterar momentaneamente o foco, e descentrar o mundo dos protagonistas, indicam rumos alternativos, caminhos paralelos, e até raízes diferentes daquelas que supostamente conduzem o relato até ali.

A realidade é transfigurada pela beleza a qualquer hora – ou pelo menos pode sê-lo, rendida à súbita ou repetida sedução. A realidade não resiste muito tempo, de toda forma, agarrando-se à beleza a fim de não naufragar em si mesma. Ou agarrando-se à possibilidade criada antes que ela desapareça.


Entrando numa fria com as crianças (Little Fockers, EUA, 2010)
Direção: Paul Weitz.
Com Robert De Niro, Ben Stiller, Owen Wilson, Dustin Hoffman, Barbra Streisand e Jessica Alba.