31.8.10

Venenos da terra à mesa




Editorial do Jornal do Commercio

Produtos químicos altamente danosos à saúde estão sendo aplicados em grandes quantidades até nas lavouras de agricultura familiar em Pernambuco. Sem saber, muitas pessoas consomem alimentos contaminados que podem causar problemas graves no sistema nervoso e na regulação hormonal, além de dores de cabeça, depressão, câncer e má-formação embrionária. Além disso, os solos encharcados de veneno logo estão imprestáveis para o cultivo.

Produtos como endosulfan, acefato e metamidofós, banidos em mais de trinta países, são livremente comercializados no Brasil. Cerca de dez produtos proscritos na União Europeia (UE), nos Estados Unidos, na China e até no Paraguai ganham saída em nossas lavouras. São gastos todo ano no País cerca de US$ 6 bilhões com agrotóxicos, o que nos faz o maior consumidor mundial de tais substâncias. Para se ter uma ideia da dimensão desse mercado, a mais nova fábrica de defensores agrícolas, que está sendo inaugurada em Uberaba (MG), irá produzir 100 milhões de litros de defensivos agrícolas anualmente. O tamanho do mercado nacional acarreta pressões políticas no Congresso, contra as proibições e pela liberação de produtos sem vez no mercado internacional. O lóbi dos ruralistas não para de atuar em defesa dos agrotóxicos, que seriam responsáveis pela força do agronegócio brasileiro.

De fato, os defensivos agrícolas são como remédios usados para combater pragas e doenças nas plantações, conferindo segurança ao agronegócio e garantindo o abastecimento alimentar das cidades. Mas esses remédios precisam ter estrito controle do poder público, justamente porque são aplicados em larga escala, e seus efeitos colaterais podem atingir milhares de pessoas. Como demonstrou a reportagem do JC no último dia 22, a venda e o uso de agrotóxicos são práticas comuns no interior do Estado. Em Vitória de Santo Antão, pedaços de terra de até dois hectares, a poucos metros da BR-232, têm plantações de alface, coentro e cebolinha cheias de veneno. Os pequenos agricultores de Natuba têm noção do risco que correm, mas desconsideram o risco que passam para os outros. Embalagens com resíduos das substâncias são descartadas em locais próximos da lavagem de alfaces colhidas que são encaminhadas para a venda. O descumprimento das regras é a regra na agricultura de pequeno porte no Estado. A Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária (Apevisa), encontrou, em 2009, a presença dos três agrotóxicos citados em diversos produtos, como pimentão, repolho, alface e tomate, oriundos de Vitória de Santo Antão, Gravatá, Agrestina, Sairé, São Joaquim do Monte, Petrolândia, Salgueiro, Iguaraci e Camocim de São Félix. Mas de um terço dos hortifrútis examinados pela Vigilância Sanitária estavam contaminados em concentrações de risco para a saúde dos consumidores.

O problema é sério e atinge outros Estados do Nordeste. No Ceará, como relatou edição recente da revista Carta Capital, o aquífero Jandaíra está ameaçado, e a água de poços artesianos e das torneiras apresenta índices de contaminação, de acordo com pesquisa feita pela Universidade Federal do Ceará na Chapada do Apodi. Segundo a médica e professora Raquel Rigotto, coordenadora do estudo, dos 7 milhões de casos de intoxicação e das 70 mil mortes que ocorrem no mundo todo ano em decorrência do uso de defensores agrícolas, a maior parte se dá nos países em desenvolvimento, onde a legislação e a fiscalização são mais frouxas.

A Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária (Adagro) garante que os produtos comercializados nos supermercados e nas feiras orgânicas são de procedência segura. A desinformação dos pequenos agricultores, aliada à deficiência de assistência técnica e à dificuldade de fiscalização, no entanto, compõem um quadro preocupante. Quadro que se torna mais sombrio diante do prazo estipulado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que decidiu tirar o endosulfan do mercado brasileiro – somente em julho de 2013. É de se questionar por que uma substância banida em 45 nações ainda tenha três anos de sobrevida entre nós.


30.8.10

Propaganda invasiva



Editorial do Jornal do Commercio

A poluição visual nas ruas alcançou um nível insuportável nestas eleições. A campanha que está nos principais corredores da cidade ocupa canteiros, calçadas, fachadas, com placas, cartazes, bandeiras e faixas formando uma selva de informações que satura o ambiente urbano e testa a paciência do cidadão. A decisão de proibir a veiculação de mensagens em outdoors, em 2006, terminou se mostrando inócua diante da avalanche de material que invadiu as nossas vias públicas. Se era para coibir o abuso do poder econômico, o desequilíbrio agora é evidente, pois pelo menos os outdoors possuíam alguma regulamentação, com divisão de quantidade e designação da localização para uso dos partidos e seus candidatos.

Na selva sem lei das placas em cavaletes, as faces benevolentes de políticos sempre sorridentes disputam cada centímetro da atenção fragmentada do eleitor que se desloca para o trabalho ou para casa, todos os dias – e até durante a noite, com a novidade de placas luminosas, descobertas para a propaganda noturna em virtude da precária iluminação do Recife.

De acordo com a legislação em vigor, é permitida a publicidade em bens particulares, por faixas, placas, cartazes e pinturas, até o tamanho de quatro metros quadrados. Falta fiscalizar o espaço entre as peças, que se enfileiram provocando a desagradável sensação de espelho sem fim. A Procuradoria Regional Eleitoral de Pernambuco (PRE-PE) diz que é vedada “a prática de alguns candidatos que justapõem várias mensagens publicitárias de tamanho permitido, mas que juntas em um mesmo espaço visual caracterizam propaganda ilegal por produzirem o mesmo impacto visual de outdoors”. Não é o que parece, pela sujeira publicitária que emporcalha a cidade. As plaquinhas em cavaletes descem às dezenas dos caminhões, e são dispostas quase grudadas umas às outras, com distâncias de menos de um metro de intervalo. O fato de serem removíveis não impede, muitas vezes, a aventura dos pedestres, que precisam andar em ziguezague para se livrar do assédio publicitário.

Apesar de ser igualmente proibido colocar material em postes, placas, sinais de trânsito, viadutos, paradas de ônibus, em árvores e jardins públicos, basta um passeio rápido para identificar as contravenções – inclusive por parte de candidatos que estavam há pouco tempo no poder, ou pretendem renovar seus mandatos, e deveriam portanto ser os primeiros a dar bons exemplos. A ameaça de inelegibilidade não incomode os transgressores, tão pouco as multas de alguns milhares de reais, para quem pode gastar milhões para se eleger. Reportagem do JC publicada no domingo, 22, mostrou alguns flagrantes neste sentido. Em Ipojuca, o mercado público e o meio da rua eram usados como espaços de campanha. Enquanto isso, na capital, em uma única operação realizada na Avenida Recife, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) teve trabalho para recolher 186 peças depositadas irregularmente no canteiro central da via, atrapalhando os pedestres. A propósito, uma visita ao depósito do TRE deixa claro que os maiores contraventores são justamente aqueles com maior capacidade financeira – o que torna patente a possibilidade de abuso do poder econômico.

A impunidade, novamente, corrobora a prática lastimável conduzida por todos os partidos. A juíza da propaganda eleitoral, Ana Cláudia Brandão, reconhece a dificuldade que vem da legislação branda. O material apreendido fica retido por dez dias e, em caso de reincidência, pode ser apreendido em definitivo. O fato é que o poder econômico não dá a mínima para isso – é só produzir mais peças e continuar infestando as ruas. “O problema é esse: não tem penalidade, e as irregularidades se repetem”, lamentou a juíza.

O desanimador é que o volume de apreensões recorde esbarra na incapacidade do TRE em dar conta das denúncias, e providenciar a retirada de tudo que contraria a lei. Como estamos entrando no último mês de campanha, é improvável que os candidatos e suas equipes colaborem para deixar não apenas o Recife, mas toda a Região Metropolitana, menos suja e feia. Também para essa limpeza, vamos ter que esperar a hora do voto.

Foto: JC Imagem

24.8.10

Minha água, meu esgoto




Editorial do Jornal do Commercio

Está faltando terreno infraestruturado na Região Metropolitana do Recife, para fazer deslanchar no Estado o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida. A constatação de empresários das grandes construtoras pernambucanas e de diretores da Caixa Econômica, que financia o programa, reunidos no Sindicato da Indústria da Construção (Sinduscon), antecipou a exposição de uma realidade reforçada esta semana pela divulgação de pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): 56% das residências, ou 32 milhões de unidades habitacionais, não têm ligação de esgoto no País. A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, com dados de 2008, aponta Pernambuco com média abaixo da nacional, possuindo cerca de 27% dos municípios com tratamento de esgoto, contra 28,5% do Brasil. No Ceará, exceção no Nordeste, o índice é melhor, e chega a quase 49%. O levantamento indica ainda a distribuição precária de água no Nordeste, onde 40% das cidades precisam recorrer ao racionamento, e a vexatória situação de metade dos municípios do País, que atiram seus resíduos sólidos em lixões a céu aberto.

A falta de infraestrutura explica, em parte, o frágil desempenho do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no setor de habitação. Levantamento do site Contas Abertas divulgado na última sexta-feira mostra que apenas 5% das obras previstas desde 2007 foram concluídas. Em Pernambuco, o desempenho é ainda pior – minguados 2% do cronograma previsto foram cumpridos. A exigência da Caixa para financiar os projetos habitacionais esbarra na deficiência estrutural que inviabiliza a equação econômica, adiando por tempo indeterminado o sonho das famílias aprovadas em programas como o Minha Casa, Minha Vida.

Os números provam que falta planejamento e bom senso na gestão habitacional brasileira. Pelo menos desde a época do Banco Nacional de Habitação (BNH), são lançados programas de forma incompleta, focados em áreas desprovidas de condições básicas de distribuição de água, energia, rede de esgoto, acessos viários e linhas de transporte coletivo. O resultado desses programas foi a favelização, seguida do abandono e até das ruínas dos conjuntos erguidos. Tais coisas – minimizadas pelo gestor público nos momentos festivos das metas programáticas – constituem a essência da vida urbana: o que vai fazer o cidadão numa casa sem água, sem esgoto e onde não passa nem um ônibus? A urbanização é um pressuposto da habitação, e não um complemento.

No caso da Região Metropolitana do Recife, a ausência de espaços apropriados para o investimento habitacional termina onerando a construção. As estações compactas de tratamento de esgoto e a movimentação de terra necessária em topografias acidentadas, por exemplo, são custos que não estão incluídos no programa. A nossa metrópole requer a urgente conformação de áreas planejadas para habitação popular – de preferência, nas proximidades do Complexo Industrial de Suape, da futura Cidade da Copa, e para as bandas de Paulista e Igarassu, possibilitando assim novas concentrações demográficas ao norte, a oeste e ao sul da Região Metropolitana.

A previsão sombria da Organização das Nações Unidas (ONU), feita no 5º Fórum Mundial da Água, em 2009, foi de que dois terços da população mundial não contarão com saneamento em 2030. Para forçar os governos a tratarem seriamente do problema, a ONU aprovou resolução, em assembléia realizada no mês passado, que considera o acesso à água e ao esgotamento sanitário como um direito humano essencial. O governo brasileiro deveria aproveitar a deixa e lançar outro programa, de prioridade mais alta e como pré-requisito para destravar o Minha Casa, Minha Vida – seria o Minha água, Meu esgoto, com vistas à democratização de um bem cada vez mais escasso no planeta. Sem a conscientização política do papel da infraestrutura básica para a diminuição do déficit habitacional, zonas urbanas saturadas como a Região Metropolitana do Recife continuarão a ser problemas sem solução para a expansão da moradia – uma questão crucial para a qualidade do desenvolvimento que desejamos para Pernambuco.

Foto: capibaribe.info