24.5.10

Mary, Max e a rede dos possíveis




Depois de assistir a Mary e Max, filme de animação que passou no Cinema da Fundação, é quase inevitável pensar sobre o papel da comunicação no cotidiano do habitante do século 21. O filme retrata uma amizade por correspondência – por carta mesmo, os chamados “pen pals”, precursores dos amigos e namoros virtuais – que tem início na década de 1970 entre Mary, uma menina australiana de 9 anos e Max, um eremita urbano de 44, que mora em Nova Iorque.

Para a geração do Google e do MSN, pode parecer que o desenho conta uma lenda. Em pleno raiar das redes sociais e da conexão em tempo real, o isolamento é cada vez menos uma escolha – e cada vez mais é pintado como sintoma, patologia, ou no mínimo, desvio de comportamento. A alienação, tenha a causa que tiver, não é a tarefa relativamente fácil que costumava ser, na trajetória da humanidade antes da era da comunicação global.

O estranho é que a vontade de se isolar não sumiu, e talvez tenha permanecido como uma espécie de reação a tantos fios que nos prendem hoje a tantos lugares, objetos, propósitos, deveres, compromissos, eventos, circunstâncias, necessidades e desejos. Lembrando Matrix: um cabo-mãe nos conectando à realidade, inventando o que inexiste sem a ligação, a realidade ilusória alimentada por conexões falsas.

As novas conexões não são falsas. O que acontece é que nos entupimos delas, e não paramos de construir mais. Quanto maior a quantidade de tentáculos comunicacionais grudados em nós, maior a sensação de pertencimento ao real atual – atualizado pelas conexões. Se você não estiver on line, é como se não estivesse vivo: o apelo da vida virtualizada é a própria virtualização da vida, mesmo que o canto de sereia da internet ofereça a interação da conexão à distância como uma interação concreta. Distância é proximidade, diria George Orwell.

A união dos contrários, tornados indissociáveis, é típica de ambientes totalitários. Apesar disso, não conseguimos enxergar o maravilhoso mundo das redes senão como democrático. Qual totalitarismo repousa por baixo da liberdade virtual? Como a comunicação difusa, espalhada pelo planeta, que nos apresenta e nos faz próximos, e nos dá mesmo uma sensação inebriante de poder, seria totalitária?

Talvez neste único aspecto: o caráter excludente que descarta o “perfil” desplugado. Para os amantes da rede, quem está fora do ar está fora de órbita. Quem não vive a vida virtual está virtualmente morto. Saiu do Orkut? Cometeu “orkutcídio”. Que tal um protesto em massa contra a frouxa privacidade do facebook? Logo o protesto ganha o rótulo de “suicídio coletivo”. (A propósito: a privacidade, neste contexto, tem dois sentidos complementares. O primeiro é “sair do ar”, ou seja, ficar fora da rede. O segundo, o direito de compartilhar imagens e dados apenas com uma restrita fatia da rede, selecionada por você, e não com a rede inteira.) Você deixou de “postar” no blog? Deve ter adoecido, ou morrido, temem os amigos acostumados à conversa frequente na praça virtual. O ego foi duplicado, ou clonado, pelo avatar de cada indivíduo em sua versão conectada. Há quem goste de exibir múltiplas personalidades, como se já não desse trabalho cuidar de um ego só. É também uma forma de se acoplar sem receio ao carrossel conectivo, fugir do olhar coletivo que exige a presença de todos, todo o tempo.

Mas na balança dos vícios e virtudes da imensa teia convergente – onde a conexão não será mais algo “em que se entra”, senão algo “em que se está” – melhor crer no peso dos benefícios. O universo virtual aumenta o espectro das potências, que Aristóteles definiu como aquilo que se opõe ao ser em ato, de existência consumada. Se uma folha de papel manuscrita ou datilografada tinha que percorrer milhares de quilômetros, dentro do período extenso definido pela capacidade dos serviços postais, em épocas passadas, a nossa época conta com a incrível alternativa de uma rede de possibilidades instantâneas, ao alcance dos dedos e dos olhos, da voz e dos ouvidos, do pensamento e da ação.

 
Mary e Max (Austrália, 2009)

Animação
Direção: Adam Elliot
Com as vozes de Philip Seymour Hoffman, Bethany Whitmore e Toni Collette.

Links:
Site do filme
Trailer legendado
Crítica no Globo

6.5.10

Nathalia Dill de costas para o espelho




"Os paparazzi me incomodam. Não acho que uma atriz na praia ou tomando um café em uma padaria seja interessante".


"Às vezes, as pessoas criam um endeusamento que eu não gosto. Acho que isso só enfraquece".
 

As declarações da atriz Nathalia Dill ao UOL, publicadas hoje, são típicas de estrelas em ascensão que percebem o tamanho da encrenca em que se meteram ao escolher uma carreira que progride servindo-se de alimento para o olhar alheio.
 
Nathalia tem todo o direito de reclamar dos insistentes fotógrafos de celebridades que não se cansam de caçar personalidades da TV. Mas o fato é que uma atriz na praia ou na padaria interessa, sim, ao público - se não interessasse, o paparazzi não vendia a foto.
 
A cena flagrada da vida privada de uma figura pública provoca nas pessoas a ilusão de intimidade que as aproxima da figura retratada. Mas o culto às celebridades é instantâneo, na maioria dos casos não resiste ao tempo. O endeusamento é temporário, portanto - e mesmo que Nathalia não goste, a admiração do público é cativada pela exposição pública de personagens vislumbrados como são, no espelho da "vida real".
 
(Mas que é deusa, é.)