8.9.07

A realidade excessiva

Quando ilusões formam entulhos imaginários de tempo perdido, entupindo sinapses que levam a cenários além do cotidiano, impedindo a passagem do presente contínuo e o salto mais que necessário sobre o futuro imediato – então se costuma dizer, detrás de lágrimas, dentro do tédio, que a vida se perde em desperdício.

Antes do desengano, que trata os focos da existência inflamada, a concentração de ilusões é tamanha a ponto de proporcionar as condições primárias da mudança. Do alto da alma saturada, a vista angustiante, percebida, inquietada, faz da busca mais distante urgente proximidade. O desejo básico ressurge, do esboço traçado enquanto inexistiam os vazios aglomerados.

Mais tarde, tudo o que se juntou é revisto sem o peso de paralisia persistente. Depois da vertigem, do enjôo e da cura, são os abismos que fazem a ponte.

Desperdícios, portanto, não se jogam fora. O sonho nasce do não possível, de um projeto negado em algum momento em toda a plenitude real. Desperdícios são excessos de realidade contra o plano de fundo da ilusão.

Há um desperdício em cada vislumbre do belo porque há um sonho retido no flagrante de cada olhar.

Há um desperdício no que é dito, pois em silêncio sussurra o insinuante cortejo da poesia.

No que esconde e desvela, no que corre e desacelera, no que apaga e acende, no que jaz e sobrevive, no que foge e abraça, no que espera e cansa, no que cega e desperta – há desperdício na sobra de todo mundo ideal.


A pele (Fur: An imaginary portrait of Diane Arbus, EUA, 2006)
Direção: Steven Shainberg
Com Nicole Kidman e Robert Downey Jr.

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