21.4.08

A respiração profunda

Técnica para enfrentar desafios, estratégia para recuperar o controle, sinal de transigência com o passado, de atenção ao presente, de confiança no futuro. A respiração modula o organismo e coordena o tráfego por onde flui ou estanca a vida, das vísceras ao raciocínio. Dizem que um segredo dos mestres é a virtude respiratória. Paciência de respirar uma respiração virtuosa.

Também revela o desgosto, manifesto instinto de desagrado ao que se acha sem reparo. A respiração do desapontamento, liberando o ar que não presta para o lado de fora, renovando o oxigênio puxado pelos pulmões. A respiração do desalento, da melancolia. Da impaciência comum. E do luto, em busca de novos ares.

Respirar fundo e mergulhar. A provisão de ar como prelúdio. Antes de um passo mais longo, do movimento progressivo, antes do inevitável – quando se pode prever o próprio espanto, mesmo se é difícil conceber o susto. O mergulho é um salto para o esperado tanto quanto para o desconhecido. O inesperado também demanda preparação, e a boa respiração favorece a sorte, assim como o descompasso no ar inalado produz paralisia.

A demora na libertação vem do ar viciado. O ambiente inspirado é uma das causas de aprisionamento. A imobilidade começa pelo peso da atmosfera. A pressão dificulta a respiração, e a respiração carregada faz o real ficar mais pesado, de volta. Respirar melhor alivia, conduzindo o pensamento e o corpo às condições propícias à libertação.

Mas que liberdade procura quem se aproveita do ar limpo como da verdade, apenas para encobrir a mentira? A verdade é a mentira, a mentira é a liberdade na respiração desencontrada.

A mentira dissimulada no vento posto em rotação pelos que mentem é dita, primeiro, ao entrar e sair pelo nariz com naturalidade – ou ser denunciada. A brincadeira, a mágica, a crendice, a crença, aproveitam o clima cúmplice suspenso para satisfazer o desejo de ilusão.

Numa dança de passos previsíveis, a sincronia aumenta na medida da imprevisibilidade. A sincronia é a redescoberta da respiração, não mais truque repetido, e sim, o próprio ar que se renova – como mergulho livre em um rio que passa.


Atos que desafiam a morte (Death defying acts, Inglaterra/Austrália, 2007)
Direção: Gillian Armstrong.
Com Guy Pearce, Catherine Zeta-Jones e Saoirse Ronan.


Um comentário:

Sérgio Luiz disse...

Descobri por acaso suas crônicas. Também me aventuro na arte de pensar e colocar no papel aquilo que me vai na alma.
Não li todas, mas as que li me tocaram profundamente.
Parabéns.
Luz sempre no seu caminho e na sua mente.