O silêncio do hábito esconde o vício que parou num porto do acaso
Quando a silenciosa trajetória da rotina é interrompida,
explodem restos deixados para trás, e surgem, como fantasmas, rotas perdidas.
O silêncio do hábito esconde o vício por baixo do tapete do
tempo. Somos dependentes dos gestos que repetimos, das desculpas que damos, do
prazer compensatório que nutrimos, do pensamento travado no mesmo ponto, há
anos sem sair do lugar – mesmo que tenha parado ali por acaso, e longe de ser
firme convicção, continua frágil como aportou.
A instabilidade dos portos existenciais é típica dos
costumes de uma época retratada mais por aquilo que falta do que pelo que tem,
mais pelo que se destroi do que pelo que se conquista, mais pelo que é consumido
do que por outro qualquer motivo.
Então, o vício da solidão no seio da multidão se torna
escudo obrigatório até no desfrute das companhias fugazes, das amizades
interessadas e das relações íntimas criadas para a satisfação da rotina.
E o que aparenta ser escape do vício é, de fato, a
manifestação da sua essência.
(Crônica sobre o filme Shame, de 2011, dirigido por Steve McQueen)