Poucos
loucos na primeira sessão de um domingo à tarde foram ver o filme de despedida
de Eduardo Coutinho, em cartaz no Cinema da Fundação há algumas semanas.
Despedida sem assinatura: o documentarista morreu antes de concluir a obra,
batizada, em sua homenagem, de “Últimas conversas”. Finalizado por João Moreira
Sales, o documentário sobre estudantes do ensino médio de escola pública no Rio
de Janeiro, no entanto, dá a impressão de ser mesmo o último olhar de Coutinho:
pela presença, pela voz inconfundível e os comentários secos e precisos.
Logo
de cara, para os fãs, a saudade enche a tela: sabemos que o diretor que se
mostra ali, pleno de vida, saiu de cena. Talvez fosse outra a leitura, se
Coutinho não estivesse morto? Também seria outro filme. Mas de todas as possibilidades,
foi essa que entrou no script.
Se
a infância é o reino encantado dos traumas, a adolescência é o pesadelo do
desencanto que é o encontro com o mundo. Coutinho estava insatisfeito. O que
pode contar um jovem com menos de 20 anos? Ele não tem memória, porque mal
viveu, e sem passado... vai falar o que? E como são tristes os jovens! A
melancolia adolescente é melancólica pra quem viveu um pouco mais. Difícil, às
vezes, é sair dela. Quantos adultos de 30, 40 ou 50 não se comportam como se
ainda morassem no tempo do desengano, em eterno lamento?
E
o que se toma eterno, sim, além do tédio, pode provocar um curto-circuito
mental. Como a eternidade adolescente é uma tarde sem ter o que fazer, os curtos-circuitos
não param de aparecer.
Os
depoimentos começam. As histórias contadas realçam o drama repetitivo da
juventude. Crianças mal crescidas, a maioria de famílias desfeitas, exibem ora
tristeza, ora futilidade, para as câmeras. Até que... uma voz baixinha, tímida,
se destaca do marasmo e da descrença. Coutinho se espanta. A menina da voz de
criança quer pilotar avião, sem nunca ter entrado num. E dar a mãe, mais tarde,
todo o amor que a mãe não lhe deu. A dureza da mãe não endureceu a filha, que
diz ser o amor, antes, um abraço e a companhia, do que comida e roupas.
Mas
jovens são românticos. E o romantismo não demora a chegar. Um garoto poeta –
aliás, há mais de um dentre eles – se declara adepto do ultraromantismo... sabe
como é, o amor ou a morte? Eduardo Coutinho não se contém. Espera: o amor e a
morte. A vida e a morte. Não são dois lados, é o mesmo. Não é um ou outro, são
os dois, juntos.
Os
depoimentos se sucedem. Uma das entrevistadas, do alto de seus 18 anos, divide
o mundo entre loroteiros, ou espertos, e ingênuos, ou bobocas. Ela é loroteira.
E diz que se impõe porque todos devem ter a mesma opinião que ela, pois a sua é
sempre a certa. E diz que quer estudar cinema. Conta uma história de trama de
novela, com traição, morte e muita, muita lorota.
O
final do filme é de arrepiar, não pela surpresa. Mas por virtude do acaso,
calhando de juntar a emoção e a razão, a ingenuidade e a experiência, a alegria
tenra e a alegria madura num mesmo plano. As luzes acendem, as lágrimas não
param. Se é difícil ter fé, e mais ainda retomá-la, o último filme de Coutinho fez
da sala de cinema um templo.
O
homem que morreu é Deus? Não. O homem que viveu achou, no ofício criativo, na
investigação da realidade aberta na expressão de simples depoimentos, a humana
divindade.
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