9.2.08

Dando voltas no tempo

O resgate dos dias que virão é complicado como o dos dias sepultados. Sem se importar com o óbvio paradoxo – futuro visto é futuro alterado – a mente recorda em bloco, como se quisesse funcionar para trás e para frente, por causa da estranheza diante da natureza do tempo.

O passado é estranho como o futuro. Na memória resta a prova da vivência direta ou de indiretos instintos e tendências filtrados pela genética. A memória relata o mundo ao sujeito – e relata ao mundo um sujeito. Você é o que você lembra do mundo. Você é o que você lembra de você.

A condição aberta do vindouro, enquanto isso, depende da memória para se valer. Toda promessa é promessa “para”, toda esperança é esperança “de”. A abertura do ser pertence às contingências da lente e do foco, e não haveria abertura sem a limitação que a explora. Seria abertura para o nada, abertura vazia. Ou sujeito sem mundo, ou mundo sem sujeito: idêntica queda no abismo.

Visitar o passado é estranho como se aventurar no futuro porque sair do instante presente é quase deixar a presença física, abandonar o corpo numa viagem sem destino.

Sendo o lugar onde a vida está, o presente é o tempo consumido da razão em que o tempo existe. O centro de um relógio, ponto imutável a servir de referência para pontos eqüidistantes na circunferência que liga o antes e o depois.

Além de mera suposição – como diz a filosofia sobre a “certeza” do sol nascente no dia seguinte – o futuro é uma suposição projetada. E as projeções vêm orientadas de algum canto. O futuro é o passado projetado. Um tempo esperado, um tempo que se esperou.

Mas o passado lançado à frente pode assumir feições insatisfatórias ao que se pretende “novo”. Então a memória se trai. A recordação do “futuro” se revela, no poder presciente, inevitável circularidade – como a luz da manhã e o silêncio da noite.

Prever e lembrar, no tempo circular, são o mesmo ato com efeitos avessos: prever é lembrar pelo avesso, antecipar a lembrança sem atravessar o presente.

E pôr na memória prova suficiente de bela ou trágica profecia.


O Vidente (Next, EUA, 2007)
Direção: Lee Tamahori.
Com Nicolas Cage, Julianne Moore e Jessica Biel.
Baseado no livro “The Golden Man”, de Phillip K. Dick.


2 comentários:

Anônimo disse...

Interessante...
O filme

Anônimo disse...

Fábio, geralmente quando visito o passado percebo a estranheza do ato. Por isso prefiro a leveza do sonho quando penso que o futuro é melhor, porque meus sonhos estão voltados para o futuro e apenas um voltado para o passado, pois sei que seria uma realização milagrosa. Prefiro me ater ao futuro, mesmo que me ausente do mundo físico para fazer a viagem que você menciona, que normalmente é sem destino. Bárbaro!