A jornada tem início com o passo rumo ao desconhecido. O desconhecido, esse monstrengo moldado pelo medo, essa sombra esquisita e irreal. Curiosamente a armadilha do monstro não afasta, chama. O monstruoso também atrai. Impensáveis fantasmas ganham vida, como num sonho aberto aos olhos. O sonho não é pesadelo porque não é puro susto: contornos bizarros, aos poucos, viram contornos comuns, coerentes com o território a ser desbravado – se antes inconcebível, logo antecipado pela nova respiração.
Na terra da fantasia, o chamado à sobrevivência é igualmente potente. A intuição criativa da imaginação navega nas águas do instinto. E se depara com a inevitabilidade da luta. Luta, aqui, não tão violenta quanto lúdica. Na suspensão espacial do sonho, o risco é um salto seguro, mesmo de altitude insabida. Para o virtual corpo onírico, a luta inevitável se adéqua ao desejo profundo de seguir lutando.
O confronto de todos os medos impõe ao desejo profundo, em seguida, um outro desejo: o de ir além, superar caminhos trilhados, transpor barreiras carcomidas e alterar o horizonte interno com uma nova visão defronte. Como o desejo, mais ou menos amedrontado, dos momentos de passagem – dos movimentos de mudança.
O ideário da mudança é a mesma biblioteca simbólica do movimento, cheia de túneis e pontes, paralisia e velocidade. Para sair da longa espera do medo, a fantasia dá vez ao mundo simples que se pôs de cabeça para baixo. Depois que tudo se explica em exagero sob a vigência do medo, o percurso da espera é desfeito. Afinal, simplificar é a função do susto.
Toda criança madura sabe disso – mas nem toda criança medrosa amadurece.
A viagem de Chihiro (Sen to Chihiro no kamikakushi, Japão, 2001)
Animação
Roteiro e Direção: Hayao Miyazaki.