26.8.08

O olhar íntimo está lá fora

Impossível é o que não acontece. Previsível é tudo que se espera. O que não acontece também se prevê, e talvez exista uma hora ou data marcada, uma espécie de tela de aviso de não-chegadas.

O amor como se canta o amor não é possível até que seja imprevisível. Até que não seja visto com antecedência, a quilômetros de distância, como uma sombra, uma ausência intuída na soma geral dos átomos no universo. Quando algo está faltando claramente, o amor aparece. E surge como aquilo que falta, presumivelmente impossível.

Não fosse a poesia recorrente, a insistente chama, a compreensão tardia, o amor teria como definição perfeita ser uma patogenia: algo de mórbida fonte. Mas colocamos a sua raiz no objeto, na luz de um olhar que não se esquece, no calor de um corpo intocado. O amor, pensamos, nasce no outro, e nos atinge por natureza, por destino, por inevitável sorte.

Uma conjunção de fatores complexos é necessária para a realização amorosa. Um alinhamento raríssimo de corpos celestes espelha o alinhamento raríssimo de corpos terrenos. É preciso que estejamos aqui, no mesmo lugar, na mesma hora, no mesmo humor, com os mesmos dilemas e vontades. O amor tinha que ser uma exclusividade literária. Só a literatura o torna inteligível. E ainda assim as palavras não se cansam de se provar batidas, pequenas e dispensáveis, pois na essência romântica pulsa o orgulho do que jamais é concretizado – ainda que venha a ser toscamente dito.

Mas uma conjunção de fatores complexos não significa obrigatoriamente sorte. A sorte muito maior é descobrir a paixão por outra fonte, porque no amor a sorte é a origem mais mórbida. Existem outras? Para o romantismo enfeitiçado e para a cultura romântica, não. Nem a amizade que evolui, nem aquela que degenera. Somente um raio de inexplicável poder que se abate sobre corações vazios, preenchendo-os subitamente com a imagem imutável e insuperável do outro.

Ela pode ser quem não esquecerei, a face eterna do arrependimento, a conquista mais cara, o preço mais alto que pagarei. Ela pode ser a melodia do tempo que sei de cor, mas não cantei. Ela pode ser o anjo dos meus sonhos, sorrindo ao meu reflexo, mesmo quando o espelho não for o que esperei. Ela pode ser para sempre uma alegria na multidão, o olhar íntimo do meu olhar. Ela pode ser o amor que não foi feito pra durar, um amor do passado até o fim. Ela pode ser o motivo que me faz viver, imaginando que estou onde ela está, e o sentido de seja lá o que for que mora em mim.


Um lugar chamado Notting Hill (Notting Hill, EUA/Inglaterra, 1999)
Direção: Roger Michell
Com Hugh Grant e Julia Roberts.


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