7.12.08

A liberdade limitada

Conhecer o mundo a fundo é suplantar o desejo de conhecimento. Jamais o todo será dado. Adivinhar o que vem pela frente é um esforço, e ainda assim, mais tarde, o que passou não se exibe em seus detalhes. As impressões deixadas para trás podem ser inferidas de outros ângulos, de outros tempos, formando um esboço mais fiel. Mas o esboço muda de instante a instante, e mesmo nos traços que permanecem, o mundo será diferente de outro ponto de vista.
Na posição ocupada em cada ponto, o pensamento se move – passeia, corre, salta, volta, voa. O pensamento percorre os túneis da mente, os mais recônditos túneis, sem descanso. Porque o pensamento está livre, o pensamento é livre... e na medida em que somos o que pensamos, sim, podemos ser livres. Até para conceber e temer condições absolutas, como a própria liberdade.
No reino do absoluto não existe concessão, nem meio-termo. É tudo ou nada: liberdade ou opressão, liberdade ou vazio, liberdade ou sofrimento. Mas de ser absolutamente livre, advém o peso de uma carga absoluta de liberdade, uma carga insuportável de possibilidades. Assim, no círculo absoluto, a liberdade é opressão, vazio, sofrimento.
A liberdade “para ser possuída, deve ser limitada”, ponderou Edmund Burke, político e pensador britânico do século 18. Naquela época, quando as paixões de uma duquesa – e os desejos e sonhos de qualquer um – se defrontavam com o status quo moral, os limites eram maiores do que hoje, ou apenas mais evidentes? A limitação garantia a posse do território marcado como livre? Ali ou em qualquer data, nos territórios demarcados, a liberdade vige?
Para o renascentista Montaigne, ser livre é “poder tudo sobre si”, ou seja, demarcar a própria liberdade. Será que “poder tudo” não é querer demais? “O que depende de nós (a vontade, o pensamento) depende de mil fatores que não dependem. Quem se escolhe?”, recorda um filósofo francês de nossos dias, André Comte-Sponville, seguidor do mestre Montaigne. O livre-arbítrio, para Comte-Sponville, é uma ficção: “Uma vontade indeterminada, que poderia querer qualquer coisa, não seria mais uma vontade, ou não quereria nada! No máximo, podemos nos libertar um pouco das determinações, ou de algumas delas, que pesam sobre nós... Trabalho infinito: seria preciso libertar-se de si, o que não é possível.”
Talvez seja – ao menos um pouco. O pensamento se estende à ação, e o ato consumado de alguma estranha forma liberta o pensamento. Poder sobre si: poder sobre o mundo que responde ao agir, ao pensamento libertado. Menos necessidade que contingência, menos causa que efeito.
Imagem ilusória ou impulso para a ação, o fato é que o homem parece submetido à liberdade assim como – usando fórmula kafkiana – o relógio parece submetido ao tempo. Se o tempo estivesse para o relógio como a liberdade para o ser humano, os ponteiros da liberdade não passariam de um artifício, feito ponteiros de um relógio, para calcular o incalculável, para pensar o impensável. Por um mecanismo de projeção, o relógio faz o tempo existir, e a liberdade, limitada, se faz real.


A Duquesa (The Duchess, Inglaterra/Itália/França, 2008)
Direção: Saul Dibb
Com Keira Knightley e Ralph Fiennes.


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