14.12.08

Um objeto que vê

O movimento atiça a visão. A lente natural aproveita os aparelhos simuladores do movimento lento, e a edição cria o ideal e ilógico movimento estático, do ato capturado em pleno esquecimento da ação.

É preciso ver mais de perto o que a velocidade torna invisível, pelo tempo escorrido à revelia do olhar atento ao menor deslocamento. Logo a atenção é angústia. Os objetos se deslocam à velocidade da luz. Então, ou se instala uma fadiga imensa, em decorrência da maratona ansiosa, e a desatenção volta a ser a regra, ou um desejo insolente aflora: o insolente desejo de que o tempo decorra mansamente, e abra com vagar as cortinas do encantamento, para que apareça o cenário deslumbrante submerso na pressa do olhar comum, desatento, feito beleza atropelada pela cegueira de dar de ombros ao tempo.

O modelo do belo é impassível, imune ao desgaste ordinário, embora a beleza mesma não passe de sonho momentâneo, como clarão que confunde num relance. Daí a vontade de eternizar seu momento, de “congelar” a fugitiva imagem entre as frestas do tempo. Para tanto, ao contrário do que se pensa geralmente, é posta para girar, como nunca, a engrenagem que conta cada milésimo de segundo, bem devagarinho, sim, bem devagar, para que se possa captar tudo, todos os detalhes imaginados, inventados quando as coisas passam correndo diante dos olhos.

Porque as coisas passam correndo, é preciso ver mais de perto, para fazer existir o inexistente, descobrir o que se esconde, não na penumbra, não na noite, mas no meio do dia, no meio da rua: o que se esconde sem cerimônia, escancaradamente, no acelerado desfile desenrolado à frente do nariz. Na passarela das coisas reais, um desfile de alucinações!

Por isso a questão não é parar o tempo, a questão é parar o mundo alucinadamente exposto ao observador que vive o mundo que vê. O tempo é uma janela que dá pro mundo. A impressão, muitas vezes, oposta – o mundo dando vista pro tempo – destrói a ventura da contemplação, corroendo o prazer contemplativo, instalando no lugar o quadro estranho, cujo desenho, à falta de melhor traço, assume a forma de tempo perdido.

O movimento atiça a visão por um bom motivo. O olhar não exprime uma pura e divina subjetividade. Cada olhar que pára o mundo também faz parte do real mal percebido. Cada olhar é um objeto à semelhança do que espia. O olho é um objeto que vê. E ao ser assim, irá negar ou permitir ser visto como enxerga os outros. Para proibir qualquer aproximação, ou ser abordado, se deixar conhecer pela luz alheia, com a lentidão do tempo conquistado no encontro de instantes correspondidos.


Cashback (Inglaterra, 2006)
Direção:
Sean Ellis
Com Emilia Fox e Sean Biggerstaff.


Um comentário:

Jcs disse...

Olá!

A LivroPronto Editora convida você, autor, para uma conversa sobre a publicação de sua obra.

Escreva para nós!
gabriela@livropronto.com.br

Um grande abraço!