Toda contagem do
tempo é contagem regressiva
É como algo “desperdiçado, dissipado suavemente”, que ela
goza do muito tempo que tem. O desperdício suave que se dissipa – imagem de
Hermann Hesse em “O lobo da estepe” – revela a culpa de quem gasta o que não se
acha no direito de possuir. Para expiar o pecado sem perdão, deixa o tempo
exagerado em sua carne escorrer sem pena entre as mãos. E mesmo assim não se desata
da impressão de que o futuro é um local distante, para onde, por mais que
corra, irá demorar a chegar.
Olha para o pulso – do tempo contado, acumulado e perdido...
toda contagem do tempo é contagem regressiva – e imagina o próximo perigo: a
duração prolonga a ansiedade e o tédio, e os renova sempre que ela fita os
números girando no braço, na corrente eterna sob a pele. A liberdade, se
existe, é fora do tempo, pensa, enquanto antevê o minuto seguinte, a semana que
vem, o ano adiante.
Todo indivíduo é um relógio diferente... então como o tempo
poderia nos fazer iguais? Ela queria viver num mundo em que se partilhasse o
tempo comum, e fosse dispensado o conceito utópico da eternidade. O que é
eterno, além da prisão do tempo? Sair dessa prisão seria sair da ideia,
subitamente inútil, do infinito temporal. Sem a medida, que restaria do que se
mede?
Ela aposta que o que sobra é a poesia sem escala,
inconsumida, como o vazio incompreendido entre as estrelas, o vácuo entre
astros que se atraem. Quanto tempo dura um olhar? Como se conta o instante
relembrado inúmeras vezes, retocado pela memória e incorporado à imaginação –
que não se rende à contagem comum, ao cerceamento ilusório do grilhão
inexistente?
É preciso vencer a ilusão. Ela decide estancar o tempo,
deter o império da cronocracia. Tomar o poder do tempo, assaltar os seus
bancos, desafiar os mesquinhos guarda-costas, arrombar os cofres cheios de
tempo sem uso... e distribuir tudo para os sem-tempo, os pobres-coitados que
esmolam por horas velozes e dias curtos, que logo se vão.
O preço do amanhã (In
time, EUA, 2011)
Direção: Andrew Niccol.Com Olivia Wilde, Amanda Seyfried e Justin Timberlake.
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