10.11.11

O pulso e o olhar




Toda contagem do tempo é contagem regressiva






É como algo “desperdiçado, dissipado suavemente”, que ela goza do muito tempo que tem. O desperdício suave que se dissipa – imagem de Hermann Hesse em “O lobo da estepe” – revela a culpa de quem gasta o que não se acha no direito de possuir. Para expiar o pecado sem perdão, deixa o tempo exagerado em sua carne escorrer sem pena entre as mãos. E mesmo assim não se desata da impressão de que o futuro é um local distante, para onde, por mais que corra, irá demorar a chegar.

Olha para o pulso – do tempo contado, acumulado e perdido... toda contagem do tempo é contagem regressiva – e imagina o próximo perigo: a duração prolonga a ansiedade e o tédio, e os renova sempre que ela fita os números girando no braço, na corrente eterna sob a pele. A liberdade, se existe, é fora do tempo, pensa, enquanto antevê o minuto seguinte, a semana que vem, o ano adiante.

Todo indivíduo é um relógio diferente... então como o tempo poderia nos fazer iguais? Ela queria viver num mundo em que se partilhasse o tempo comum, e fosse dispensado o conceito utópico da eternidade. O que é eterno, além da prisão do tempo? Sair dessa prisão seria sair da ideia, subitamente inútil, do infinito temporal. Sem a medida, que restaria do que se mede?

Ela aposta que o que sobra é a poesia sem escala, inconsumida, como o vazio incompreendido entre as estrelas, o vácuo entre astros que se atraem. Quanto tempo dura um olhar? Como se conta o instante relembrado inúmeras vezes, retocado pela memória e incorporado à imaginação – que não se rende à contagem comum, ao cerceamento ilusório do grilhão inexistente?

É preciso vencer a ilusão. Ela decide estancar o tempo, deter o império da cronocracia. Tomar o poder do tempo, assaltar os seus bancos, desafiar os mesquinhos guarda-costas, arrombar os cofres cheios de tempo sem uso... e distribuir tudo para os sem-tempo, os pobres-coitados que esmolam por horas velozes e dias curtos, que logo se vão.



O preço do amanhã (In time, EUA, 2011)
Direção: Andrew Niccol.
Com Olivia Wilde, Amanda Seyfried e Justin Timberlake.

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