Monumento na Praça dos Três Poderes, em Brasília
O ano político pernambucano terminou com uma bomba de origem
retroativa e potencial efeito sobre as eleições municipais. Parece uma
aberração, tamanha a dimensão do absurdo: deputados e ex-deputados estaduais
estão recebendo parcelas de dinheiro referentes a um “auxílio-moradia” a que
supostamente fariam jus, no mandato compreendido entre os anos de 1995 e 1998,
mesmo morando na capital. A lista de beneficiados é extensa e conta com
expoentes dos principais partidos, inclusive dois pré-candidatos bem colocados
nas pesquisas de intenção de voto para a disputa majoritária no ano que vem,
como divulgou o blog Acerto de Contas, primeiro a levantar o tapete da triste
história.
A vantagem financeira extra já vem sendo paga há três meses,
o que significa que nenhum deles pode alegar que não sabia do que se tratava.
Se alguém alegar, vai soar no mínimo estranho. Serão 36 parcelas que podem
somar R$ 354 mil para cada um, ou até mais. A naturalidade esboçada em algumas
reações é sintomática de pelo menos duas graves distorções, que afastam o senso
comum do exercício do poder e atiram no lixo o conceito dos políticos.
A primeira seria o descaso com a opinião pública, como se
não fizesse qualquer diferença mais uma notícia “caluniosa” nos jornais. A
segunda seria o indício do mau hábito nacional, de lidar com o dinheiro do
contribuinte ao bel prazer, desprezando as imensas necessidades coletivas que
se acumulam em detrimento da cobiça pessoal ou em favor de projetos
partidários. “É uma esculhambação. Um deboche que depõe contra a imagem do
Legislativo”, definiu em entrevista ao JC o deputado Paulo Rubem, que não
aceitou o acréscimo.
A Assembleia Legislativa divulgou nota oficial para
justificar a distribuição de benesses respaldada na lei de isonomia salarial
entre os Poderes. No entanto, o véu da legalidade não esconde o abuso e a
indignidade de um fato merecedor da repulsa da sociedade. Da parte da
instituição parlamentar estadual, é lamentável que a Casa de notável tradição e
tantos serviços prestados a Pernambuco considere o repasse de recursos desta
natureza com isenção de questionamento.
Depois do famigerado “auxílio-paletó” e das suspeitas
subvenções a entidades filantrópicas de fachada, a Assembleia deveria ter
entendido que a população não tolera a falta de transparência e o abuso na
gestão dos recursos. Por outro lado, da parte dos nomes envolvidos, além de
lamentável, o recebimento do dinheiro extra a título de auxílio-moradia
configura uma atitude imoral – e para o cidadão comum, decepcionante. A OAB
encaminhou à Assembleia pedido de informação sobre o caso, e promete acompanhar
de perto seus desdobramentos.
Como ressaltou a colunista do JC, Sheila Borges, “o que se
espera de homens públicos são bons exemplos”. O auxílio-moradia retroativo, na
linguagem popular mais uma “mamata”, dificilmente é inspirador de boas
práticas. Trata-se de uma chacota com a honestidade que teima em vigorar no País,
onde a ética do dinheiro fácil vai se tornando a cada dia menos surpreendente. O
estarrecedor se dilui no que há de deprimente no episódio, atirando às costas
dos eleitores a responsabilidade pelo futuro.
O pior é que o auxílio escandaloso nivela por baixo a elite
detentora de altos cargos no serviço público nacional. Nos últimos anos,
integrantes dos três poderes têm se esforçado para se superar nos privilégios
que se concedem, em mútua anuência, aprofundando, sem qualquer desfaçatez, o
poço da desigualdade que cerca a sexta economia do mundo.
Foto: Oliver Ross/www.chocolate-fish.net
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