4.11.06

O grande fardo


Seguimos atrás de compensações diante do abismo acima de nós. O instante eterno de um piscar de olhos nos força a tecer inversas comparações, inventar opostos contra a solidão.

Sentimos que os olhos abertos não contam toda a verdade, tem que haver mais por trás do mundo visto-criado-pela-visão. Assim o que vemos não é real pois a realidade não vale quando não basta.

Queremos nos livrar do peso existencial. Construir algo que faça mais sentido que um universo tão silencioso quanto isolada parece a nossa posição nele. Queremos desfazer os mitos científicos e voltar a ler nas paredes frias da caverna os rabiscos que deixamos para nós mesmos.

Celebramos ora a prisão do corpo, ora a liberdade da alma – como se um não fosse livre e prisioneira a outra, vez nenhuma. A poesia concreta, tangível, abstraímos do mesmo mundo negado... Somos seres, sim, insustentáveis, não entendemos o que se passa.

Como a vida pode ser leve ante o peso de tudo, a nossa consciência do que gira em volta trata de esquecer uma consagrada irrelevância no concerto para trilhões de instrumentos que mal conseguimos escutar.

De repente, a morte. De repente, a lembrança: o sangue tem um caminho a trilhar. Cada organismo é matéria diferenciada em esforço insondável, ínfimo ato no meio de movimentos grandiosos (invisíveis) que nos conduzem de lá pra cá e de cá pra lá.

O problema é que a acolhida da consciência pela vida soa inexata e incompleta – a morte, vivida, dada à consciência, sempre é violenta, agressão gratuita ao ser que, em sua leveza, brincava.

Morrer, tal como matar o outro em nós, na morte próxima: esse é o fardo insustentável.


A insustentável leveza do ser (EUA, 1988)
Direção: Philip Kaufman
Roteiro: Jean-Claude Carrière, baseado no romance de Milan Kundera
Com Daniel Day-Lewis, Juliette Binoche e Lena Olin

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