27.10.06

Um preço alto demais


Acinte ao ciúme que cega, seus olhos se fecham para sempre após o vislumbre do assombro. Seu impetuoso sorriso se caricatura na face da morte brutal: o assassinato feroz rasga-lhe a boca, parte-lhe o corpo e lhe esvazia o sangue, como se isso bastasse para deformar a beleza. Na invasão do belo pelo atroz, a percepção desfigurada rearruma, pelo avesso, o real.

Aquilo que assume a perfeição é a soma ou ausência de valores idealizados. Sobre o olhar estranho que contempla antes o alvo da destruição, a máscara fúnebre de um sorriso morto é o retrato do choque de extremos que pode ser apontado como culpado.

Na ponta em que é soma, o perfeito é o equilíbrio que encanta, até apazigua os espíritos na busca da forma. Na outra ponta, em que é nada, a perfeição é desconstruída do mundo, sendo sua conquista um obsessivo exercício de subtração – de forma e conteúdo, signos e sentidos. Por isso a beleza clássica é simétrica, e o perfeito niilismo, feio desde a fonte, é a falta de parâmetros que nega a própria perfeição.

Em que medida o feio é afrontado, o disforme aviltado e a sombra, insultada, diante de seu oposto? Quando a imagem banida do espelho se reflete do lado de fora, a vida animada se recorda do torpe destino – ou simplesmente acende, dentro de si, a fogueira doentia da inveja que alimenta as chamas da frustração.

A mesma medida humana habita a paixão e a violência passional. E assim como a paixão pode criar raízes longe do objeto de desejo, os crimes bárbaros lidos como passionais nem sempre “se explicam” pela proximidade entre criminoso e vítima. Nestes casos, a beleza aparece como o estopim do ato insano e estúpido, onde a inocência paga o preço da existência – desde que seja bela.

A dália negra (Alemanha/EUA, 2006)
Direção: Brian De Palma
Com Mia Kirshner, Scarlett Johansson e Hilary Swank.

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