16.7.07

Mais que um

Querer ser melhor por causa de alguém é arriscar o passo na direção oposta à costumeira, na esperança de acertar o rumo soprado pelo acaso. Acompanhar o vento que recorda à lembrança o primeiro sonho da consciência: “Acorda – sussurra – e vem brincar de não ser um”.

Retirar o mundo do próprio umbigo e reconhecer o que está em volta é um dos efeitos colaterais da surpreendente descoberta de que se é aquém do que se poderia. Descoberta à espera, verdade óbvia, revelada pelo ímpeto de se mostrar menos feio, de se enxergar menos tolo nos olhos que servem de espelho.

Querer ser melhor por alguém é não fazer do outro o centro do mundo. É descartar o peso de qualquer sobrecarga no chão. E aproveitar a leveza proporcionada pela sorte, não desperdiçar a chance de retribuir o gosto de ser leve, sem nenhum motivo.

Por algum motivo, atrelar a vida a uma outra como se entrelaçam mãos, não como se forçam correntes. Trazer à tona gestos que não se sabe de onde vêm – apenas aonde vão. Oferecer à outra vida o que não se tem, e por isso se pode doar, fartamente: o ser, indecifrado, que se vislumbra do lado.

Querer estar do seu lado sem se fazer notar, como se a solidão fosse capaz de permanecer igualmente oculta e repartida – solidão que se afirma enquanto se nega, compartilhada.

Querer olhar junto em direções diversas e ainda assim não se perder de vista, como se todo o cenário do mundo não bastasse para afastar um do outro do palco.

Querer sorrir enquanto se existe, sabendo que o sorriso que se divide é maior que um sorriso só.

Querer ir além do que se é porque diante de nova seqüência – seqüência outra, mais bela, quiçá de suma importância. Pois embora haja tanto desencontro, é pela arte do encontro que vale cada vida, como cantou o diplomata poeta.

Melhor é impossível (As good as it gets, EUA, 1997)
Direção: James L. Brooks
Com Jack Nicholson e Helen Hunt.

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