3.7.07

O mundo no personagem

Decorre de um emaranhado impossível de ser visto, emaranhado de motivos e acasos, de ligações extensas e fios soltos, sem sentido, uma tarefa das mais difíceis ao ser consciente – inventar-se.

Na busca infinda pelo que não entende, para melhor conceber a si, retira do exterior o tênue véu da razão, e deste fino tecido se veste. Mas ao mirar-se no espelho toma um susto, logo se atemoriza, porque não se vê.

A razão refletida do mundo não serve de roupa para a consciência, destinada a ser invisível pela imagem que lança do mais próximo objeto existente ao mais distante: a consciência não se revela ao detalhe do microscópio, nem à luz da luneta.

Cada ser consciente é um personagem autor da própria história. Ao mesmo tempo em que se escreve, se perde, se esquece, se descola de um enredo. A história do autor-personagem só tem início quando termina, e só pode ter fim depois de começada.

Desconhecer o roteiro é a condição de ir em frente, embora não se dê um passo que não seja, passo estranho, resultante de ato deliberado na direção de algo que jamais se enxerga.

Por isso o mundo é da cor dos olhos de quem assiste, e a cor é a cor forjada pelo percebido. Trágico ou hilário, entediante ou mágico, feio ou estonteante – depende de como cada personagem se desenha, e por tabela desenha o mundo.

Sim, o mundo está dentro de cada ser consciente, assim como toda história habita o seu personagem.

Mais estranho que a ficção (Stranger than fiction, EUA, 2006)
Direção: Marc Forster
Com Maggie Gyllenhaall, Will Ferrell, Emma Thompson e Dustin Hoffman.

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