22.7.07

O tempo do fogo


Queira sua parte logo, tudo a que tiver direito, porque a vida é consumida e logo está consumada. Entre o calor de que não se foge e o brilho que às vezes some, ponha a mão no fogo e ilumine a estrela perdida na noite mal-assombrada.

Queira o fogo brando na lareira que se prolonga, sem se importar se o conforto vem da mesma flama que desbasta. O tempo mata e protege, fere e cicatriza enquanto te forma e te retira de um bloco de matéria bruta concentrada. Somos esculpidos pelo tempo que passa – e fora do tempo, somos nada.

Tenha pressa com toda a razão de ser: o tempo dado custa mais caro do que se imagina. Como emprestar o que não se possui? Como pedir porção extra do que não há? Antes de se tornar pó, nutre a esperança sensata do lume buscando o ponto mais alto para depois – e só então – se apagar.

É como se coubesse, a cada um, adequado quinhão de pólvora, fósforos e cinzas. Na visão da centelha que és, tu encontras a sombra dos outros e podes não ver mais a tua. Sim, a meia-luz te tira o sono. O tempo é o fogo alimentado pelo oxigênio que vive.

Um fogo que se transmite, ensinou Gaston Bachelard, filósofo da ciência. Pra mim, pra você e todo mundo que a gente conhece, o fogo é a duração do ser. Nos teus olhos o tempo arde por um instante, soa eterno sob a respiração quente, ritmada pela brasa vermelha que pulsa no peito feito sol muito longe.

Na filosofia poética de Bachelard, o fogo é amor que se descobre. Assim o tempo é redescoberto, a vida consumida transforma aquela consumada.

Assim o fogo que se transmite é o tempo que se revela, e o ser consumido, da aurora ao crepúsculo, só pode ser percebido como tempo compartilhado.

Me and you and everyone we know (EUA/Inglaterra, 2005)
Direção e Roteiro: Miranda July
Com John Hawkes, Miranda July e Brandon Ratcliff.

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