1.8.09

De paradigma a piada














As restrições para entrar e viver em terra estrangeira são um sinal desconcertante do descompasso entre a política e o espírito de nossa época.

A burocracia resiste, por natureza, à disposição de mistura e convivência, cuja negação é anacrônica num tempo em que até as gripes tratam o planeta como um lugar só.

Existem dificuldades práticas para uma “abertura geral dos portos” que faça da patrulha de fronteira coisa do passado. Massas de jovens desempregados adorariam a chance de emigrar em busca de trabalho. Legiões de refugiados espremidos nas zonas de exclusão abraçariam a possibilidade de retorno e a liberação de um destino possível.

Há certamente milhões de pessoas, hoje, que correriam aos portões nacionais abertos feito ávidos consumidores avançariam numa loja em liquidação. No primeiro momento, é provável que algo assim acontecesse. Mas depois, esgotada a ânsia inicial, é possível imaginar que os fluxos para os locais mais cobiçados encontrassem seu equilíbrio, amenizando o susto dos autóctones em face das “invasões bárbaras”.

No fundo, a construção de muros, cercas, barreiras e postos contra o livre trânsito do cidadão é a grande contradição do discurso globalizante. A ilusão de separação é tão antiga quanto a certeza de segurança dentro das cidades muradas na Idade Média. Mas a sensação de segurança segregada proporcionada pela exclusão é vergonhosa. A doutrina da segurança quer impor a paz pela força, o que é logicamente absurdo. A paz não está dentro das fortalezas. A paz é quando se pode ir ao lado de fora sem medo, quando a relação com o outro não é discriminatória.

O controle de entrada e saída dos países deve assumir novos padrões no terceiro milênio. O documento será solicitado como informação, não para constrangimento, tampouco cerceamento. A vigilância do século 20 e dos primeiros anos do 21 será entendida, lá na frente, com um olhar parecido ao que lançamos aos nossos antepassados, para os quais o estrangeiro era apenas um prisioneiro de guerra sujeito à escravidão.

A transição para essa nova realidade, em que o espaço de liberdade se globaliza, conferindo à cidadania o status planetário, já começou. É possível percebê-lo no instante em que o carcomido paradigma do visto de permanência vira motivo de piada – na comédia, no riso fácil sobre o ridículo, sobressai o reconhecimento da mudança em curso.


A proposta (The proposal, EUA, 2009)
Direção: Anne Fletcher
Com Sandra Bullock e Ryan Reynolds.

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