19.6.12

A capela dos consensos



Enquanto os impasses aumentam a impaciência dos delegados oficiais e o ceticismo dos convidados credenciados no RioCentro, onde se produzem os documentos para os chefes de estado que desembarcam esta semana, bem longe dali, no Forte de Copacabana, o clima é diferente.

Pra começar, o aglomerado à entrada, o dia inteiro, todos os dias, de gente disposta a passar até duas horas na fila para ver uma exposição sobre o meio ambiente, promove o impacto visual necessário para preparar o espírito de quem vai lá com outro propósito: o de expor ideias e experiências na programação de debates do Humanidade 2012, um dos eventos paralelos da Rio+20.

O principal espaço dessa programação integra a exposição, e está aberto à visitação do público. Foi batizado de Capela Humanidade, numa concepção que recorda o caráter uno da nossa espécie, com dizeres inscritos nas paredes, ilustradas ainda, até o teto, com bonequinhos representando a raça humana. A sala possui uma mesa central, redonda, para os debates, e é rodeado por livros, a partir de listas sugeridas por personalidades. A cor predominante é o dourado, talvez simbolizando a riqueza do conhecimento.

Como se já não bastasse a inspiração da decoração, há um ritual antes de cada encontro, que também acontece noutros momentos, quando a visitação é intensa. Trata-se da “cerimônia do pêndulo”, em que um pêndulo colocado no canto da mesa central, ligado por um fio à cúpula da sala, se desloca para o centro, representando a busca de prumo para a humanidade. Em seguida, ao som de cânticos, pássaros brancos de plástico atravessam as paredes da biblioteca, de um lado a outro, proporcionando um sentimento de integração com a natureza.

É desta maneira que as conversas são introduzidas. Então, na alternância de vozes em inglês e português, com tradução simultânea e a mímica da linguagem Libras, os consensos brotam com naturalidade. Ainda que seja em cima de situações de extrema dificuldade de abordagem, ou sobre cenários nada otimistas, parece que o som da capela é o som do consenso dos povos, em contraste à cacofonia paralisante da divergência dos governos nacionais e dos corpos diplomáticos reunidos no RioCentro.

No painel sobre urbanização de favelas, por exemplo, ficou patente o papel da infraestrutura habitacional na construção da sustentabilidade. O arquiteto Cláudio Acioly, da ONU-Habitat, apresentou números inquietantes sobre o aumento da favelização no planeta, impulsionada pela transferência em massa das zonas rurais para as cidades. Essa é uma tendência mundial preocupante para a qual não se vislumbram soluções tão cedo. “E não dá pra pensar em sustentabilidade num mundo de favelas”, disse Acioly. No mesmo painel, o governador de Lagos, na Nigéria, Babatunde Raju Fashola, foi enfático: “Enquanto não tivermos uma política global de controle populacional, não conseguiremos avançar muito”, falou o africano, sem disfarçar o cansaço de quem está acostumado a travar uma luta invencível.

Noutro debate, estavam à mesa ambientalistas e empresários para discutir como estabelecer uma agenda comum. Representantes das federações industriais de São Paulo e do Rio de Janeiro estavam à vontade para dialogar com o Greenpeace e outras organizações. Daquele encontro, saiu a sugestão de criar um curso de MBA sobre o bioma amazônico, por exemplo, e ficou a sensação de que todos se entendiam perfeitamente. O criador do conceito de “pegada ecológica”, que mede a quantidade de recursos naturais necessária para uma localidade manter seu padrão de consumo, Mathis Wackernagel, lembrou que o planeta atualmente consome uma vez e meia suas reservas naturais em um ano. Dois consensos decorreram da mesma discussão: a adequação dos padrões de consumo de cada nação à capacidade global de recursos naturais, e a mudança na medição de riqueza, incorporando-se custos e benefícios ambientais aos valores tradicionais do Produto Interno Bruto (PIB).

Até os Estados Unidos entraram na capela dos consensos da Rio+20, através da participação de Shalini Vajjhala, da agência norte-americana para o meio ambiente (EPA). A representante do governo Obama dividiu a mesa com gestores das prefeituras da Filadélfia e do Rio de Janeiro. Para Shalini, o problema da sustentabilidade não é dinheiro, e sim, o tamanho dos projetos: são quase sempre pequenos demais. Todos foram convencidos de que é preciso formatar os projetos em larga escala, transformando iniciativas isoladas em empreendimentos maiores que garantam a sua viabilidade econômica.

Como se dá pra perceber, nem sempre os consensos resolvem a questão. Mas partir de pontos de vista comuns já é um avanço. Inclusive à vista de retrocessos evidentes e obstáculos de porte. Para Ana Toni, do Greenpeace, que lidera um movimento de “desmatamento zero” para a Amazônia, o governo brasileiro está devendo ações concretas em defesa do meio ambiente, especialmente depois do Código Florestal e dos incentivos à compra de veículos. Quanto aos obstáculos, Walter De Simoni, da secretaria estadual de meio ambiente do Rio de Janeiro, ao questionado sobre o futuro da sustentabilidade num estado em que a perspectiva de desenvolvimento vem da chegada de grandes empreendimentos da antiga economia, como siderúrgica e indústria automotiva, foi simplesmente pragmático. Respondeu esperar que daqui a quatro anos se veja um quadro diferente, com a economia mais verde, mas por enquanto é o que o Rio dispõe, e não pode desperdiçar.

Eis o ponto em que o consenso estanca. Em Pernambuco, acontece o mesmo. No Brasil e em outros países emergentes, o presente insustentável não atrapalha o sonho de um amanhã de esperança, embalado pelas preces da humanidade na capela. 

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