Enquanto
os impasses aumentam a impaciência dos delegados oficiais e o ceticismo dos
convidados credenciados no RioCentro, onde se produzem os documentos para os
chefes de estado que desembarcam esta semana, bem longe dali, no Forte de
Copacabana, o clima é diferente.
Pra
começar, o aglomerado à entrada, o dia inteiro, todos os dias, de gente
disposta a passar até duas horas na fila para ver uma exposição sobre o meio
ambiente, promove o impacto visual necessário para preparar o espírito de quem
vai lá com outro propósito: o de expor ideias e experiências na programação de
debates do Humanidade 2012, um dos eventos paralelos da Rio+20.
O
principal espaço dessa programação integra a exposição, e está aberto à
visitação do público. Foi batizado de Capela Humanidade, numa concepção que
recorda o caráter uno da nossa espécie, com dizeres inscritos nas paredes,
ilustradas ainda, até o teto, com bonequinhos representando a raça humana. A
sala possui uma mesa central, redonda, para os debates, e é rodeado por livros,
a partir de listas sugeridas por personalidades. A cor predominante é o
dourado, talvez simbolizando a riqueza do conhecimento.
Como
se já não bastasse a inspiração da decoração, há um ritual antes de cada
encontro, que também acontece noutros momentos, quando a visitação é intensa.
Trata-se da “cerimônia do pêndulo”, em que um pêndulo colocado no canto da mesa
central, ligado por um fio à cúpula da sala, se desloca para o centro,
representando a busca de prumo para a humanidade. Em seguida, ao som de
cânticos, pássaros brancos de plástico atravessam as paredes da biblioteca, de
um lado a outro, proporcionando um sentimento de integração com a natureza.
É
desta maneira que as conversas são introduzidas. Então, na alternância de vozes
em inglês e português, com tradução simultânea e a mímica da linguagem Libras,
os consensos brotam com naturalidade. Ainda que seja em cima de situações de
extrema dificuldade de abordagem, ou sobre cenários nada otimistas, parece que
o som da capela é o som do consenso dos povos, em contraste à cacofonia
paralisante da divergência dos governos nacionais e dos corpos diplomáticos
reunidos no RioCentro.
No
painel sobre urbanização de favelas, por exemplo, ficou patente o papel da
infraestrutura habitacional na construção da sustentabilidade. O arquiteto
Cláudio Acioly, da ONU-Habitat, apresentou números inquietantes sobre o aumento
da favelização no planeta, impulsionada pela transferência em massa das zonas
rurais para as cidades. Essa é uma tendência mundial preocupante para a qual
não se vislumbram soluções tão cedo. “E não dá pra pensar em sustentabilidade
num mundo de favelas”, disse Acioly. No mesmo painel, o governador de Lagos, na
Nigéria, Babatunde Raju Fashola, foi enfático: “Enquanto não tivermos uma
política global de controle populacional, não conseguiremos avançar muito”,
falou o africano, sem disfarçar o cansaço de quem está acostumado a travar uma
luta invencível.
Noutro
debate, estavam à mesa ambientalistas e empresários para discutir como
estabelecer uma agenda comum. Representantes das federações industriais de São
Paulo e do Rio de Janeiro estavam à vontade para dialogar com o Greenpeace e
outras organizações. Daquele encontro, saiu a sugestão de criar um curso de MBA
sobre o bioma amazônico, por exemplo, e ficou a sensação de que todos se
entendiam perfeitamente. O criador do conceito de “pegada ecológica”, que mede
a quantidade de recursos naturais necessária para uma localidade manter seu
padrão de consumo, Mathis Wackernagel, lembrou que o planeta atualmente consome
uma vez e meia suas reservas naturais em um ano. Dois consensos decorreram da
mesma discussão: a adequação dos padrões de consumo de cada nação à capacidade
global de recursos naturais, e a mudança na medição de riqueza, incorporando-se
custos e benefícios ambientais aos valores tradicionais do Produto Interno
Bruto (PIB).
Até
os Estados Unidos entraram na capela dos consensos da Rio+20, através da participação
de Shalini Vajjhala, da agência norte-americana para o meio ambiente (EPA). A
representante do governo Obama dividiu a mesa com gestores das prefeituras da
Filadélfia e do Rio de Janeiro. Para Shalini, o problema da sustentabilidade
não é dinheiro, e sim, o tamanho dos projetos: são quase sempre pequenos
demais. Todos foram convencidos de que é preciso formatar os projetos em larga
escala, transformando iniciativas isoladas em empreendimentos maiores que
garantam a sua viabilidade econômica.
Como
se dá pra perceber, nem sempre os consensos resolvem a questão. Mas partir de
pontos de vista comuns já é um avanço. Inclusive à vista de retrocessos
evidentes e obstáculos de porte. Para Ana Toni, do Greenpeace, que lidera um
movimento de “desmatamento zero” para a Amazônia, o governo brasileiro está
devendo ações concretas em defesa do meio ambiente, especialmente depois do
Código Florestal e dos incentivos à compra de veículos. Quanto aos obstáculos,
Walter De Simoni, da secretaria estadual de meio ambiente do Rio de Janeiro, ao
questionado sobre o futuro da sustentabilidade num estado em que a perspectiva
de desenvolvimento vem da chegada de grandes empreendimentos da antiga
economia, como siderúrgica e indústria automotiva, foi simplesmente pragmático.
Respondeu esperar que daqui a quatro anos se veja um quadro diferente, com a
economia mais verde, mas por enquanto é o que o Rio dispõe, e não pode
desperdiçar.
Eis
o ponto em que o consenso estanca. Em Pernambuco, acontece o mesmo. No Brasil e
em outros países emergentes, o presente insustentável não atrapalha o sonho de
um amanhã de esperança, embalado pelas preces da humanidade na capela.
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