17.1.08

O mergulho do corpo e da mente

Dos pequenos gestos cotidianos às decisões de severos efeitos, a cada momento construímos a realidade de acordo com as contingências e as possibilidades da liberdade que temos. Embora seja possível especular sobre milhões de mundos em dimensões paralelas, e até sobre os bilhões de mundos individuais na Terra, a realidade que nos integra é uma realidade singular, indivisível e irreversível (apesar das “viagens” dos gurus da física quântica, esmerados na divulgação do que mal sabem explicar).

Ser alguém diferente, estar em outro lugar, acalentar o sonho de uma virada radical – são desejos comuns que muitos trazem do berço. Desejos do presente para o futuro. Inquietações de um estado que não satisfaz, reunidas em torno das disposições construtivas do novo – ou das indisposições que conservam, paradoxalmente, o que sabidamente não se quer.

Mas não podemos ser diferentes do que somos, nem estar onde não estamos, por maiores que sejam os anseios que animam – ou desanimam – a alma. A singularidade que acompanha a consciência configura o real na mesma medida. Apesar de cada consciência parecer um mundo à parte, o que se tem a partir dela não é um mundo para cada consciência.

A interface entre o desejo e a condição dada, o exterior e o interior que se atira para o lado de fora, a realidade posta ao existir consciente, é o corpo. Palco dos pequenos gestos e dos severos efeitos, o corpo é a dimensão que possuímos da matéria visível no universo, e ainda nos intriga tanto quanto a misteriosa matéria escura que se esconde da vista, porque não recebe nem emite a luz.

Dentro do corpo mora a mente. Pelo corpo, a mente se lança ao mundo. O corpo encurta a mente, a mente expande o corpo: a limitação é objetiva, a expansão é virtual. A mente não é outra coisa senão corpo – ainda que seja o corpo virtual, no mundo virtualizado.

A virtualização do corpo e do mundo almeja romper a fronteira corpórea e alterar essencialmente a consciência da matéria viva. Por que a consciência depender da vida? Por que o cérebro é visceralmente importante? E o corpo, por que não ser maior, mais flexível à mente que cresce ao se deslocar no mundo?

Desde a invenção do fogo, a tecnologia se presta à fantasia. A chama do conhecimento é propícia à divagação. A fantasia, em retorno, turbina a tecnologia, com a crítica da construção de uma realidade imperfeita. A imperfeição aparece ao que mergulha na natureza.

O mergulho da mente é um mergulho para cima. O mergulho do corpo vai na descendente. A mente voa, o corpo cai. No mesmo espaço, no mesmo tempo – na única realidade, cuja face, revelada, nasce envelhecida.

O real é renovado mentalmente. O corpo, onde o real floresce, acredita no virtual poder do mergulho da mente, atrás de uma saída de emergência para o lugar que não existe.


Vanilla Sky (EUA, 2001)
Direção: Cameron Crowe
Com Tom Cruise, Penélope Cruz e Cameron Diaz.

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