O canto vocaliza
o que o corpo se acostuma a calar
Assim como de cada mão sai um traço, de cada olhar um chamado,
de cada passo um caminho, em cada pessoa há um som. A vida dos personagens de
histórias reais se comprime no tom que acumula os anos. Na expressão do rosto
fatigado ou sereno que lembra muito mais do que a letra de uma canção.
Ele entoa segurança, ela, decepção. Outro não esconde a
vergonha, aquela não disfarça a paixão empacada no passado. Orgulho estampado numa
face, e o arrependimento, feito fino véu, recobrindo tantas. Momentos
recuperados duelam com tempos perdidos.
A narrativa musicada parece ganhar peso, enquanto alivia a
carga de quem canta na expiação sem pecado, na confissão repetida como um
refrão. A culpa é tragada por um sorriso, na dor que se cumpre sempre que
escuta a ilusão redimida.
A palavra cantada vocaliza o que o corpo se acostuma a
calar, ou não exprime na forma que a música permite. Na dimensão que a música
admite. Na afinação com o sentimento que a voz subitamente atinge.
Na respiração alterada em novo sentido a emoção encontra a
memória que a explica. Da matemática nas notas da escala emerge a razão
acolhida encolhida pelo silêncio do hábito.
Solta a garganta que chora antes da primeira lágrima cair.
Solta o verso conhecido que em todas as vozes é verso diferente. Solta o
instante que ressoa e abarca por inteiro o presente.
Canta do jeito que sabe, o fôlego da poesia, no repertório do
sopro de cada voz.
Documentário de Eduardo Coutinho.
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