19.1.12

O repertório de cada voz


O canto vocaliza o que o corpo se acostuma a calar


Assim como de cada mão sai um traço, de cada olhar um chamado, de cada passo um caminho, em cada pessoa há um som. A vida dos personagens de histórias reais se comprime no tom que acumula os anos. Na expressão do rosto fatigado ou sereno que lembra muito mais do que a letra de uma canção.

Ele entoa segurança, ela, decepção. Outro não esconde a vergonha, aquela não disfarça a paixão empacada no passado. Orgulho estampado numa face, e o arrependimento, feito fino véu, recobrindo tantas. Momentos recuperados duelam com tempos perdidos.

A narrativa musicada parece ganhar peso, enquanto alivia a carga de quem canta na expiação sem pecado, na confissão repetida como um refrão. A culpa é tragada por um sorriso, na dor que se cumpre sempre que escuta a ilusão redimida.

A palavra cantada vocaliza o que o corpo se acostuma a calar, ou não exprime na forma que a música permite. Na dimensão que a música admite. Na afinação com o sentimento que a voz subitamente atinge.

Na respiração alterada em novo sentido a emoção encontra a memória que a explica. Da matemática nas notas da escala emerge a razão acolhida encolhida pelo silêncio do hábito.

Solta a garganta que chora antes da primeira lágrima cair. Solta o verso conhecido que em todas as vozes é verso diferente. Solta o instante que ressoa e abarca por inteiro o presente.

Canta do jeito que sabe, o fôlego da poesia, no repertório do sopro de cada voz.


As canções (Brasil, 2011)
Documentário de Eduardo Coutinho.



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