O direito à informação pelos cidadãos é tão constitucional
quanto o aumento de salário dos parlamentares
Era tão certa a polêmica, que a direção da Câmara escolheu
votar e aprovar o aumento salarial de 62% para os parlamentares da próxima
legislatura, a partir de 2013, nos estertores de dezembro, a um passo do
recesso, na esperança de ficar a muitos passos da reprovação pública. Mas em
tempos de redes sociais, o tiro de esperteza pode ter saído pela culatra. Ainda
que o cálculo do desgaste tenha levado em conta o calendário de festas e de
férias para minimizar a chiadeira, a reação nos meios de comunicação –
incluindo a internet – elevou o tom da indignação acumulada, apenas alguns dias
depois do escandaloso auxílio-moradia retroativo dos deputados estaduais vir à
tona.
Nos dois casos, sobressai o distanciamento da transparência
e da firmeza na defesa de posições, quando se trata de interesses particulares
embutidos no interesse de grupo. Os poucos que se manifestam apelam para a
legalidade do recebimento dos recursos, parecendo fazer-se de surdos perante o
grito dos que reclamam. A controvérsia do legal acima do moral é antiga, e não
conduz a lugar algum, além do beco sem saída da decepção e do desencanto que
joga os políticos num mesmo saco de baixa valia. Nesta perspectiva, o espírito
corporativo na política é tão daninho quanto em outras atividades, com o
agravante de bater de frente com o interesse coletivo, o qual suas excelências
são pagas para servir em primeiro lugar.
Se o aumento de salário de cerca de R$ 9 mil para R$ 15 mil
é legítima e democrática, como qualificou o vereador e ex-presidente da Câmara,
Múcio Magalhães, por que proceder à sombra, sem trazer os números e a
justificativa de maneira franca e honesta para o conhecimento e manifestação da
população? Democracia à sombra lembra autoritarismo, configura prática
obscurantista que em nada honra a tradição da política pernambucana.
Enquanto a Lei Orgânica do Município assegura aos vereadores
o direito de fazer jus à remuneração de até 75% do que ganham os deputados
estaduais, o cidadão comum tem o direito de opinar sobre a questão, inclusive
opondo argumentos ao reajuste salarial máximo, no limite do teto. Aliás, o
direito à informação é tão constitucional quanto o aumento máximo de salário
possível dos parlamentares, e um não deveria prevalecer ao outro. É por isso
que a indignação crescente tem gerado ampla repercussão, até com
abaixo-assinado virtual em favor da anulação da medida. Em dois dias de circulação
nas redes sociais, o documento ultrapassou a marca de cinco mil nomes, e deve
ser encaminhado nos próximos dias para o Ministério Público.
Apesar da repercussão negativa e do equívoco indefensável da
manobra dos vereadores, é preciso separar a função do Parlamento de eventuais
descaminhos trilhados por seus momentâneos integrantes, como ressalvou o
cientista político Michel Zaidan, na última quarta-feira, em entrevista a Aldo
Vilela na rádio CBN. Quem sabe, no retorno ao trabalho, a pauta da cidade volte
à pauta da Câmara, para que o salário de detentores do voto não abra o ano
eleitoral como motivo de generalizada descrença.
Editorial do Jornal do Commercio, 04/01/2012.
Foto: Roberto Pereira/D.A Press
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