14.9.06

O caminho da redenção


Numa época em que o moralismo dominava a ética, antes da liberação moral que nos traz, hoje, benefícios, males e dúvidas, a expiação era uma rota definida para o paraíso. Os culpados sabiam que precisavam ser punidos, se quisessem alcançar a salvação. Assumir a culpa devida já foi uma questão de consciência, um imperativo ético, um dever social. Como conseqüência, o condenado lutava pelo perdão – da família e dos amigos, da comunidade, ou de si mesmo, o que sempre devia ser mais difícil, tendo em vista o rigor com que os arrependidos costumavam julgar os próprios pecados.

No clássico de Victor Hugo filmado em 1998 por Bille August, a recuperação do personagem Jean Valjean é resultante da conjunção entre a evolução espiritual e a prosperidade material obtidas com o amadurecimento. Homem de firmes convicções religiosas, figura de grande respeito que é alçada à condição de prefeito graças à sua proeminência social, Valjean chega ao poder e se vê ameaçado pelo novo inspetor de polícia, que trabalhava no presídio onde ele cumpriu pena de 20 anos por ter roubado comida.

O político que esconde o passado sente a consciência pesar quando conhece a mãe solteira que vende o corpo para educar a filha. Ex-empregada da fábrica do prefeito, demitida por preconceito, Fantine é presa, e libertada da cadeia por Valjean. O vínculo que os une será como um fardo de culpa para o empresário bem-sucedido e consciencioso.

Victor Hugo pinta a culpa como um filho bastardo em busca eterna de redenção. A culpa sublimada – como rebento esquecido – permite à vida uma aparência de normalidade, cuja superficialidade é quase indício certo do segredo ou da mentira. Na identidade dos condenados – seja uma prostituta ou um senhor de proeminência – estaria a chaga da condenação. E esta, antes de mais nada, seria uma imposição social, aplicada pela lei, e refletida no preconceito, no olhar do outro, na vergonha de si. Para o roteirista Rafael Yglesias, o tema principal da obra é a redenção, e não a injustiça.

Ou mesmo o ímpeto revolucionário que também envolve a estória. O idealismo presente em Os Miseráveis é submetido a uma comparação insistente: para mudar o mundo, o indivíduo tem que mudar, mas o indivíduo depende dos costumes existentes, por maior que seja a potência “de uma idéia cujo tempo chegou”, segundo a famosa frase do autor.


Os Miseráveis
(Les Miserables - 1998)
Diretor: Bille August
Com Liam Neeson, Uma Thurman, Claire Danes e Geoffrey Rush

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