19.9.06

Revolucionários franzinos

Em cartaz - No silencioso deserto dos profetas, homens e mulheres exibem a sua figura mirrada e altiva contra a incerteza, a sandice, o feio e o descabido. A multidão os fita, e espera: saem de suas bocas palavras tão grandes que nos assustam, nos maravilham – serão as verdades ditas, diretas, de figuras etéreas, a expressão natural do mundo sublime acima do humano?

Anjos e deuses falam através desses seres miúdos de gigantesca presença. Parece-nos normal nomeá-los também anjos, semideuses, santos em corpos rebeldes que nos transmitem, destemidos, a sua rebeldia.

A imperfeição que os aflige chama a atenção para uma estranha harmonia: o espírito se agita, o olhar se aviva, e a tênue fronteira física é superada, fazendo do corpo contraditório depósito de algo que o corpo não contém.

Nem de longe um milagre acontece. O “meio é a mensagem”, teorizou McLuhan. “A minha vida é a minha mensagem”, simplificou Gandhi, franzinamente. A força expressiva é a marca dos que usaram seu tempo na Terra para falar mais alto que a voz, para se estender além do alcance das mãos, e ir mais longe do que os seus passos foram.

Talvez por nos darem a impressão de ser vítimas da natureza, compadecemo-nos deles, por sua caminhada bizarra, qual via-crúcis no rumo certo da glória. Grandes personagens da civilização carregam miúdas compleições físicas, contrariando o preceito biológico da supremacia dos mais fortes. Ou será que não? Ou será que as revoluções franzinas ensinam justamente que é preciso desafiar os mais fortes para fazer girar a roda da história?

Vale lembrar o impacto deixado como legado, na política, na cultura e na ciência, por nomes como Newton, Einstein, Santos Dumont, Paulo Freire, Prestes, Vargas, Rui Barbosa, Herbert de Souza – apenas para citar alguns. Na religião, então, é quase lei a ascendência do revolucionário franzino sobre os corações e mentes dos crentes (e dos não crentes): São Francisco de Assis, Madre Teresa de Calcutá, Padre Cícero, Frei Damião são imediatos exemplos.

Dom Hélder Câmara, cearense de fama carioca e adotado por Olinda e Recife, faz parte dessa lista. Foi retratado quase com fervor no documentário-tributo O Santo Rebelde, cujo maior mérito é recuperar imagens e discursos que falam por si. Dentre as pérolas de um filme rico, um destaque surpreendente para o final, quando sobem os créditos e ouvimos, deliciados, a narração do texto “Sonhei que o papa enlouquecia”, de autoria do arcebispo.

Uma bela e inconteste prova da superioridade da alma revolucionária sobre a existência franzina.


Dom Hélder Câmara - O Santo Rebelde
Brasília, 2004
Direção: Érika Bauer

Um comentário:

Anônimo disse...

Agora sim! =]