6.9.10

Consumo e cidadania




Editorial do Jornal do Commercio

O Código de Defesa do Consumidor brasileiro está completando vinte anos no próximo dia 11. Conquista relativamente recente, portanto, ligada à redemocratização que tem como marco a Constituição de 1988, o Código tem pautado nas últimas duas décadas a relação nem sempre amistosa entre produtores e fornecedores de bens e serviços e o imenso – e crescente – mercado de consumidores no País. Mas ainda há um longo caminho a percorrer, para que seus preceitos sejam respeitados, e os direitos do cidadão que consome sejam considerados com a atenção que merecem.

A multidão de novos consumidores das classes C e D, que nos últimos anos ingressou no universo das compras, não conhece os direitos que possui quando adquire um produto ou contrata algum serviço. É o que detectou pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em seis Estados, entre os quais Pernambuco, e o Distrito Federal: 60% das pessoas com renda inferior a dois salários mínimos não sabem ao certo quais as funções dos órgãos de defesa do consumidor, os Procons.

Apesar disso, o Procon-PE já recebeu este ano mais de 23 mil reclamações, sobre os mais diversos segmentos. Em julho, as principais disseram respeito a serviços de energia, água, telefonia, e a lojas de produtos eletrônicos. O baixo nível de informação da população e a desconfiança sobre a burocracia fazem supor que o número de atendimentos poderia ser muito maior – o que por sua vez iria demandar uma capacidade de atendimento mais ágil, para dar conta da demanda.

Desde julho, os estabelecimentos são obrigados a manter às vistas dos clientes pelo menos um exemplar do Código, para consulta em caso de qualquer dúvida ou esclarecimento. A nova lei, sancionada pelo presidente da República após nove anos de tramitação no Congresso, configura um passo importante sob dois aspectos. Em primeiro lugar, porque mostra à população, especialmente àqueles de menor poder aquisitivo, que existe um documento legal para a proteção de quem efetua a compra. E depois, porque valoriza o próprio instrumento, contribuindo para que os próprios fornecedores estejam atentos ao seu conteúdo.

Outra medida que busca ampliar o alcance do Código foi tomada no mês passado pelo Ministério da Justiça. O crescimento do comércio eletrônico no País tem gerado diversas dúvidas, tanto de consumidores quanto dos provedores dos serviços. Agora, uma cartilha está à disposição dos interessados, no site do ministério, com regras que visam disciplinar todo o processo de relacionamento, além de enfatizar os deveres de quem vende e os direitos de quem compra através da internet, proporcionando segurança jurídica a ambas as partes.

Fora do ambiente virtual, a troca de mercadorias danificadas, o ressarcimento por um serviço prestado indevidamente, a possibilidade de arrependimento pela aquisição fora de um estabelecimento e mesmo a aplicação de multas ao fornecedor do bem ou serviço – de uma pequena loja até uma companhia aérea – estão previstas no Código de Defesa do Consumidor. O marco de 20 anos de existência deve ser celebrado como essencial para o aprimoramento democrático, uma vez que as democracias contemporâneas têm nas relações de mercado um de seus pilares de sustentação.

A cidadania e o consumo estão entrelaçados, não há mais como separar uma coisa da outra: o cidadão de hoje é um consumidor contumaz, e sem consumo regulado por normas e laços mútuos de confiança, dificilmente se pode nomear a cidadania. Como ressalta a historiadora Lizabeth Cohen, da Universidade de Harvard, que cunhou a expressão República dos Consumidores, a evolução dos direitos do cidadão que consome é menos uma trajetória do mercado, e mais o fortalecimento de movimentos cívicos. Ou seja, a cidadania do consumo expressa uma tendência de transformação democrática do próprio capitalismo.

A democracia brasileira é, portanto, a maior beneficiária da aplicação efetiva do Código de Defesa do Consumidor, bem como de seu aperfeiçoamento. Assim, temos chance de observar o desenvolvimento econômico acontecer ao lado do desenvolvimento de nossas instituições.

Ilustração: www.actibva.com
 

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