18.9.10

Queda na Casa Civil



Editorial do Jornal do Commercio

A saída de Erenice Guerra do governo federal, por força das circunstâncias, não pode deixar de ser devidamente analisada em detrimento do pleito eleitoral que se aproxima. Pelo contrário, é por causa das eleições gerais que o episódio precisa ser posto à luz da objetividade, sem as lentes de aumento de casuísmos.

Neste sentido, importante é ressaltar o papel que coube à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). No dia anterior à renúncia forçada, o presidente nacional da entidade, Ophir Cavalcante, defendeu o afastamento imediato de Erenice, pelo bem das instituições e das investigações. A manifestação isenta e veemente da OAB em prol de valores éticos na política é um bom sintoma de amadurecimento democrático. Sua participação na redemocratização, desde 1985, merece capítulo à parte em nossa história recente – e não seria diferente agora, nas graves denúncias contra a ex-ministra, seu filho, marido, irmãos e círculo familiar.

Quando organizações como a OAB entram em cena, a propósito, logo sucumbem as tentativas de se desqualificar certas denúncias como mero produto de uma mídia engajada. Apenas poucos dias atrás, o Partido dos Trabalhadores, o Palácio do Planalto e a candidata Dilma Roussef faziam questão de detonar o mérito das notícias, como se fossem balões de ensaio arquitetados pelos concorrentes. A contundência dos fatos, no entanto, elevou o volume das críticas nos principais órgãos de imprensa do País, culminando no posicionamento firme, em tom de cobrança, do presidente da OAB.

A gravidade do escândalo que toma o governo Lula em plena transição eleitoral se fia na suposição de que o balcão de negócios da politicagem voltou a se instalar com desenvoltura, servindo-se do privilegiado ponto de apoio e articulação da Casa Civil – como nos tempos de José Dirceu, denunciado pela Procuradoria Geral da República como líder da quadrilha do mensalão. Foi isso que levou a OAB e parcela dos meios de comunicação a aumentarem a pressão, diante da fratura exposta no círculo familiar de Erenice Guerra. Com ou sem eleições à porta, o Palácio do Planalto não poderia seguir fazendo de conta de que tudo não passava de factoide, e continuar eximindo-se da responsabilidade de dar uma resposta à sociedade.

O esquema de propinas flagrado na Casa Civil recorda a sistemática da República de Alagoas – como ficou conhecido outro famoso esquema de corrupção coordenado, no governo Collor, por Paulo Cesar Farias. Os indícios de momento estão longe de configurar, como escreveu Erenice em sua carta protocolar de renúncia, uma "sórdida campanha" dirigida à sua família. A diversidade de fontes e a identificação de novo foco do mal crônico que circula pelos corredores de Brasília contribuíram para tornar insustentável a sua permanência no cargo.

O escândalo da Casa Civil volta a revelar o perigoso fio solto de um Estado corrompido, corruptor e corrupto, em que ideologia e patrimonialismo andam de mãos dadas. É verdade que é possível extrair algum peso da crise, sob a alegação de que nem o governo Lula, nem o PT inventaram o sórdido pecado que assola a nossa elite política. Assim como o atual governo não foi o único, neste quarto de século, a ostentar viciada máquina pública às voltas com suspeitas de desvios, comissões, superfaturamentos e outras maracutaias engendradas para assaltar o dinheiro suado do contribuinte.

Ocorre, todavia, que o viés político da crise não se encerra com a saída de Erenice Guerra. Até porque uma relação de afinidade profissional também entrou em crise – aquela que, desde a época do ministério de Minas e Energias, fez de Dilma Rousseff a principal protetora de Erenice no governo, tornando-a sua sucessora na Casa Civil. Tal relação solicita da candidata governista, favoritíssima nas pesquisas para suceder Lula, que ofereça o seu quinhão de respostas às perguntas no seio do escândalo.

A apuração das denúncias é necessidade premente. Mas a queda na Casa Civil demonstra ao menos que, no Brasil, o poder central ainda não é capaz de fazer ouvidos moucos ao clamor da opinião pública.

Foto: Agência Brasil.
 

2 comentários:

Everaldo Costa disse...

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Obrigado!!!

Fábio Lucas disse...

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