26.9.10

Partido da opinião pública




Editorial do Jornal do Commercio

A manifestação promovida pelo Partido dos Trabalhadores, sindicalistas e partidos aliados na última quinta-feira, contra o que se chamou de “golpismo da mídia”, extrapola o âmbito eleitoral, apesar de convocada neste momento. Irritados com a sucessão de notícias sobre as denúncias envolvendo a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, ex-assessora da candidata palaciana à sucessão de Lula, Dilma Rousseff, os manifestantes coroaram, com o evento, uma série de declarações infelizes feitas nos últimos dias a respeito do tema.

O ex-ministro – e quem sabe futuro – José Dirceu foi o primeiro a disparar contra o estado de direito que o transformou em réu do mensalão, dizendo que “o problema no Brasil é excesso de liberdade de imprensa”. Na mesma linha, o presidente da República afirmou que “o povo mais pobre não precisa de opinião pública. Nós somos a opinião pública”. Para Lula, jornais e revistas tomam as dores dos virtuais derrotados e se comportam como se fossem um partido político. Na ótica do líder petista e chefe da Nação até 31 de dezembro, o fortalecimento democrático atrelado à liberdade de imprensa só parece ser válido se estiver isento de críticas – o que seria a negação do princípio de independência que deve pautar a livre expressão em qualquer país do mundo.

O secretário de comunicação do PT, André Vargas, ratificou as palavras de Dirceu e Lula. “Achamos que isso pode influenciar a eleição. Não podemos esperar isso acontecer”, disse, referindo-se aos editoriais que estariam “muito agressivos” na cobertura do escândalo da Casa Civil. A manobra diversionista que ataca os emissários de notícias desagradáveis à cúpula partidária não é novidade na história petista. É quase um expediente de manual: houve denúncia, primeiro dá-se a vitimização dos suspeitos, e em seguida, tira-se o foco do mérito para fazer de alvo os canais de comunicação.

O que nos deixa mais preocupados é a elevação do tom de guerra contra a imprensa ao longo do tempo. Quanto mais o PT permanece no poder, menos a agremiação se mostra confortável com o funcionamento das instituições cujo dever é prezar pelo aperfeiçoamento democrático. Se os casos de corrupção que afetam o partido e o governo não passam de “invenção da mídia”, porque todos os principais suspeitos foram afastados de seus cargos, desde 2005, incluindo José Dirceu e Erenice Guerra? Sintomaticamente, a frequência com que se tem tratado da questão da liberdade de expressão no Brasil é incompatível com um ambiente democrático amadurecido.

Ainda que o calor da disputa tenha afetado a emoção presidencial, nunca antes na história de seu mandato Lula foi tão contundente. Para ele, a verdadeira opinião pública dos pobres é aquela veiculada pela voz inconfundível, exclusiva, da autoridade do governo. O que o presidente não diz é que, sem imprensa livre, não há opinião pública – pois a imprensa tutelada, restrita à redação oficial, produz apenas a opinião de governo.

Além disso, vale lembrar que a opinião pública não vem somente do que dizem os meios de comunicação, mas repercute o que pensa parcela importante da sociedade. Ou o PT teria coragem de afirmar que entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também são inimigas que precisam ser derrotadas? Em atenção aos fatos e em resposta à urgência ética que passa à margem do PT e ultrapassa a agenda eleitoral, foi lançado, um dia antes do evento petista, um manifesto em defesa da liberdade e da democracia, assinado por juristas e personalidades como o cardeal dom Paulo Evaristo Arns, Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior, Ferreira Gullar, Carlos Vereza, e o ex-secretário da Receita Everardo Maciel. Com o nome de Se Liga Brasil, o documento traz um alerta contra o autoritarismo latente nas propostas restritivas do exercício da atividade jornalística e da liberdade de opinião.

Passada a estação eleitoral, esperamos que o presidente e o PT recuperem o bom senso, e se convençam de que o partido da opinião pública não tem sigla, nem dono, sendo a pluralidade e a capacidade de crítica seus principais atributos.

Foto: Último Segundo/iG
 

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