A ciência costuma abrir trilhas para a investigação
filosófica, ao lançar novas perguntas a partir das respostas que elabora. O
trabalho do conhecimento não tem fim, e por isso é instigante, apesar de
parecer cansativo para quem não se dispõe a enfrentar questionamentos
constantes que podem reformular o modo como se vê o mundo – ou ainda, como o
indivíduo se vê no mundo que o recebe e envolve.
Se os avanços científicos limpam o terreno para a exploração
do pensamento, nas últimas décadas grandes excursões foram possibilitadas pela
neurociência. O mapeamento do cérebro e suas relações com o que sentimos e
fazemos proporcionou a abertura de veredas incríveis que mudaram a percepção
que tínhamos da sua complexidade e do seu papel no organismo humano. O “computador
úmido”, na expressão do neurocientista David Eagleman, seguiu a linha evolutiva
para desenhar adaptações para a espécie. Neste trajeto, longe de ser um
receptor passivo, o cérebro molda a realidade que observa: a subjetividade
possui a função objetiva de garantir a sobrevivência, e para isso o cérebro é
plástico, dinâmico, e não estático.
Do mapeamento cerebral surge a base para um novo salto – a
leitura do cérebro. Em entrevista à Veja, outro neurocientista, Philip Low,
falou de um novo aparelho, batizado de iBrain, que ajudará pessoas como o
físico Stephen Hawking a se comunicarem. Hawking, gênio que desvendou mistérios
referentes ao horizonte de eventos dos buracos negros, atualmente se comunica
pelo movimento de músculos da bochecha... mas nem isso será capaz de fazer em
breve, por causa do agravamento da doença degenerativa que o mantém prisioneiro
no próprio corpo desde a juventude.
A comunicação direta entre o cérebro e uma máquina, que já
permite a realização de movimentos virtuais a grandes distâncias, como provou,
entre outros, o cientista brasileiro Miguel Nicolelis, antecipa algo imaginado
pela ficção científica: o diálogo da telepatia. Diante das vertigens da
neurociência contemporânea, no entanto, essa é apenas uma das perspectivas
vislumbradas da janela mental.
A pesquisa científica nunca se resume às conquistas que
assume. As descobertas, mais cedo ou mais tarde, são pontos de apoio para
dúvidas que extrapolam o âmbito do conhecimento de cada época. É assim que a
física quântica e a teoria da relatividade amparam, hoje, viagens teóricas como
a teoria de cordas, os universos paralelos e o multiverso holográfico. No caso
da neurociência, assim como na leitura do genoma, as questões imediatamente
postas desafiam os conceitos estabelecidos de natureza humana, de consciência
e, para alguns, até de uma alma além da mente.
O mapeamento do cérebro já mostrou que os animais dispõem de
níveis de consciência similares aos nossos, embora não carreguem a inteligência
consciente que nos atribuímos. De acordo com Philip Low, o que a neurociência
procura agora é “descobrir se a consciência está confinada a uma área única do
cérebro e se pode ser gravada, preservada e reproduzida”. Isso mesmo, como uma
memória transferível do “computador úmido”.
É compreensível e desejável que o ceticismo equilibre o
delírio no esboço de explicações para perguntas que talvez jamais venham a ser
respondidas. Como de hábito, a filosofia corre atrás dos cientistas num
primeiro momento, para em seguida buscar a visão privilegiada do que se
descortina aos observadores, em um universo em expansão contínua.