30.1.09

O mundo não é nosso?

Há algo destoante na fertilidade de um planeta isolado, tão longe de planetas da mesma espécie como se outros nem existissem. Como se o homo sapiens não fosse como os outros seres, e não pudéssemos partilhar da engrenagem fértil que nos inclui sem um grande pasmo, antes de qualquer fascínio.

Saint-Exupéry escreveu: “Em um mundo em que a vida se une tanto à vida, em que as flores amam as flores no próprio leito dos ventos, em que o cisne conhece todos os cisnes, só os homens constroem a sua solidão.”

A singularidade da Terra eleva a “sensação térmica” do ser que dirige o olhar para fora da ilha planetária, da atmosfera de vida, e não vê nada ou ninguém no ponto mais remoto acenando com um possível resgate. E a solidão humana se crê, assim, universal.

Para não pensar no assunto, ou se consolar pelo silêncio, o macaco falante inventou a posse da ilhota terrestre. Virou o “rei da selva”, o “filho de Deus”, assumiu o controle do conhecimento e almeja a regência da natureza. Fez do privilégio da visão consciente o motivo bastante para se considerar “dono do mundo”. Fez da solidão implacável uma desculpa para agir como se estivesse, de fato, sozinho, no controle de um barco vazio à deriva no cosmo desértico.

A noção matemática de posse abrange as noções de inclusão e domínio, expressa na teoria dos conjuntos pela idéia de grupos maiores contendo grupos menores ou elementos individuais. Segundo tal fórmula, diríamos que a Terra é um elemento do homem? Ou que o homem é um elemento da Terra? O que parece sensato? Matematicamente, portanto, soa absurdo dizer “o nosso planeta” no sentido de referência a um objeto de posse humana.

Por outro lado, no reino natural – no conjunto maior da biosfera – que pensamos tutelar, a posse não é realidade incomum. A biologia é cheia de exemplos, e atinge os mamíferos autoproclamados “superiores”. A mãe que carrega o filhote tem por certo que o filho é “seu”, pela relação simbiótica estabelecida, ao menos até que a necessidade exija. A lógica persiste no habitat que possibilita a proliferação de gerações de uma mesma espécie. A Terra tinha os dinossauros, os dinossauros não tinham a Terra.

A relação da humanidade com o planeta que nos carrega é especial, do prisma de nossa aparente potência de modificação da realidade terrestre. Mas não somos os proprietários deste pequeno ponto celeste, e muito menos da vida que emerge, fenece e ressurge no intervalo entre eras glaciais. O que fazer com a não-posse? O que fazer com a desconcertante liberdade do homem animal?

A percepção de que o mundo não é nosso pode gerar uma revolta inútil contra fatos inexoráveis, e apenas acelerar a extinção humana. Ou pode trazer um pouco de humildade à celebração de nossa virtual solidão – e aí, recordemos outras palavras do mesmo Antoine de Saint-Exupéry: “Que misteriosa ascensão! De uma lava em fusão, de uma lama de astro, de uma célula viva germinada por milagre, nós saímos e pouco a pouco nos elevamos até escrever poemas e pesar as vias-lácteas.”

Até onde vamos nessa ascensão, até onde vinga a nossa germinação, qual a extensão do milagre humano ou a duração da linha que nos trouxe do acaso – são questões que escapam do nosso campo de visão. Mas esse alcance depende, possivelmente, de nossa capacidade de superar a vontade de poder provinda de um notório complexo de inferioridade que acompanha toda solidão.


O dia em que a terra parou (The day the Earth stood still, EUA, 2008)
Direção: Scott Derrickson
Com Keanu Reeves, Jennifer Connelly e Kathy Bates.
Refilmagem de clássico da ficção científica de 1951.



4.1.09

Castelos de areia

Nesse estado alterado de consciência a realidade é o que menos importa. O mundo reduz-se a uma única visão, que consegue dar forma e cor inéditas ao mundo. A novidade desaparece com a desilusão, e com o retorno do velho cenário em preto e branco capturado pelo olhar a maior parte do tempo.

De um ponto de vista externo, o apaixonado está quase sempre enganado. Aquilo que lhe aparece não é bem o que parece, aquilo que sente não é tudo, e aquilo que diz não é só o que devia dizer. Há muito mais para notar e explorar do que supomos quando somos monotemáticos.

A restrição do significado – o universo cabe na luz de seu rosto, no som de sua voz, na presença de seu corpo – é o maior engano. O chão que some sob os nossos pés ou se apresenta como nunca antes, com tal solidez, tem o piso falso. E sabemos disso. Eis o pior. Tudo faz tanto sentido de uma hora pra outra que não pode estar certo, seria fácil demais. Seria bom demais: sem coisas incompreensíveis, sem perigos ameaçadores, sem qualquer sombra por perto.

O que não limita à mentira o objeto valorizado pela febre amorosa. O engano das paixões não as torna erros puros – assim estaríamos cometendo, aliás, o mesmo erro duas vezes (e de fato, cometemos, várias vezes). Mas se há mais do que o equívoco, é talvez porque seja algo essencial, exposto à falsificação. Algo cuja descoberta muda o mundo aceito e replicado no modo monótono da existência. Que ironia – a paixão monotemática retira a razão da monotonia...!

De onde vem, como surge e como some a essência das paixões é um mistério cujo deciframento pode não nos interessar. Basta-nos saber que a essência oculta dá-nos a graça de ser ativada e esmorecida em pontos diversos da vida.

A pressa dos apaixonados, descabida para os que espiam de longe e juram conhecer de cor o enredo farsesco, é pressa justificável. Pois é preciso se atirar à experiência da paixão, antes que a febre recue, o delírio passe, a maré avance e derrube a construção delicada, perfeita, de beleza esculpida sob medida na areia do acaso.


Amor sob medida (The best man, Inglaterra/EUA, 2005)
Direção: Stephan Schwartz
Com Seth Green, Stuart Townsend e Amy Smart.


14.12.08

Um objeto que vê

O movimento atiça a visão. A lente natural aproveita os aparelhos simuladores do movimento lento, e a edição cria o ideal e ilógico movimento estático, do ato capturado em pleno esquecimento da ação.

É preciso ver mais de perto o que a velocidade torna invisível, pelo tempo escorrido à revelia do olhar atento ao menor deslocamento. Logo a atenção é angústia. Os objetos se deslocam à velocidade da luz. Então, ou se instala uma fadiga imensa, em decorrência da maratona ansiosa, e a desatenção volta a ser a regra, ou um desejo insolente aflora: o insolente desejo de que o tempo decorra mansamente, e abra com vagar as cortinas do encantamento, para que apareça o cenário deslumbrante submerso na pressa do olhar comum, desatento, feito beleza atropelada pela cegueira de dar de ombros ao tempo.

O modelo do belo é impassível, imune ao desgaste ordinário, embora a beleza mesma não passe de sonho momentâneo, como clarão que confunde num relance. Daí a vontade de eternizar seu momento, de “congelar” a fugitiva imagem entre as frestas do tempo. Para tanto, ao contrário do que se pensa geralmente, é posta para girar, como nunca, a engrenagem que conta cada milésimo de segundo, bem devagarinho, sim, bem devagar, para que se possa captar tudo, todos os detalhes imaginados, inventados quando as coisas passam correndo diante dos olhos.

Porque as coisas passam correndo, é preciso ver mais de perto, para fazer existir o inexistente, descobrir o que se esconde, não na penumbra, não na noite, mas no meio do dia, no meio da rua: o que se esconde sem cerimônia, escancaradamente, no acelerado desfile desenrolado à frente do nariz. Na passarela das coisas reais, um desfile de alucinações!

Por isso a questão não é parar o tempo, a questão é parar o mundo alucinadamente exposto ao observador que vive o mundo que vê. O tempo é uma janela que dá pro mundo. A impressão, muitas vezes, oposta – o mundo dando vista pro tempo – destrói a ventura da contemplação, corroendo o prazer contemplativo, instalando no lugar o quadro estranho, cujo desenho, à falta de melhor traço, assume a forma de tempo perdido.

O movimento atiça a visão por um bom motivo. O olhar não exprime uma pura e divina subjetividade. Cada olhar que pára o mundo também faz parte do real mal percebido. Cada olhar é um objeto à semelhança do que espia. O olho é um objeto que vê. E ao ser assim, irá negar ou permitir ser visto como enxerga os outros. Para proibir qualquer aproximação, ou ser abordado, se deixar conhecer pela luz alheia, com a lentidão do tempo conquistado no encontro de instantes correspondidos.


Cashback (Inglaterra, 2006)
Direção:
Sean Ellis
Com Emilia Fox e Sean Biggerstaff.


7.12.08

A liberdade limitada

Conhecer o mundo a fundo é suplantar o desejo de conhecimento. Jamais o todo será dado. Adivinhar o que vem pela frente é um esforço, e ainda assim, mais tarde, o que passou não se exibe em seus detalhes. As impressões deixadas para trás podem ser inferidas de outros ângulos, de outros tempos, formando um esboço mais fiel. Mas o esboço muda de instante a instante, e mesmo nos traços que permanecem, o mundo será diferente de outro ponto de vista.
Na posição ocupada em cada ponto, o pensamento se move – passeia, corre, salta, volta, voa. O pensamento percorre os túneis da mente, os mais recônditos túneis, sem descanso. Porque o pensamento está livre, o pensamento é livre... e na medida em que somos o que pensamos, sim, podemos ser livres. Até para conceber e temer condições absolutas, como a própria liberdade.
No reino do absoluto não existe concessão, nem meio-termo. É tudo ou nada: liberdade ou opressão, liberdade ou vazio, liberdade ou sofrimento. Mas de ser absolutamente livre, advém o peso de uma carga absoluta de liberdade, uma carga insuportável de possibilidades. Assim, no círculo absoluto, a liberdade é opressão, vazio, sofrimento.
A liberdade “para ser possuída, deve ser limitada”, ponderou Edmund Burke, político e pensador britânico do século 18. Naquela época, quando as paixões de uma duquesa – e os desejos e sonhos de qualquer um – se defrontavam com o status quo moral, os limites eram maiores do que hoje, ou apenas mais evidentes? A limitação garantia a posse do território marcado como livre? Ali ou em qualquer data, nos territórios demarcados, a liberdade vige?
Para o renascentista Montaigne, ser livre é “poder tudo sobre si”, ou seja, demarcar a própria liberdade. Será que “poder tudo” não é querer demais? “O que depende de nós (a vontade, o pensamento) depende de mil fatores que não dependem. Quem se escolhe?”, recorda um filósofo francês de nossos dias, André Comte-Sponville, seguidor do mestre Montaigne. O livre-arbítrio, para Comte-Sponville, é uma ficção: “Uma vontade indeterminada, que poderia querer qualquer coisa, não seria mais uma vontade, ou não quereria nada! No máximo, podemos nos libertar um pouco das determinações, ou de algumas delas, que pesam sobre nós... Trabalho infinito: seria preciso libertar-se de si, o que não é possível.”
Talvez seja – ao menos um pouco. O pensamento se estende à ação, e o ato consumado de alguma estranha forma liberta o pensamento. Poder sobre si: poder sobre o mundo que responde ao agir, ao pensamento libertado. Menos necessidade que contingência, menos causa que efeito.
Imagem ilusória ou impulso para a ação, o fato é que o homem parece submetido à liberdade assim como – usando fórmula kafkiana – o relógio parece submetido ao tempo. Se o tempo estivesse para o relógio como a liberdade para o ser humano, os ponteiros da liberdade não passariam de um artifício, feito ponteiros de um relógio, para calcular o incalculável, para pensar o impensável. Por um mecanismo de projeção, o relógio faz o tempo existir, e a liberdade, limitada, se faz real.


A Duquesa (The Duchess, Inglaterra/Itália/França, 2008)
Direção: Saul Dibb
Com Keira Knightley e Ralph Fiennes.


21.11.08

O ego da paixão

Na busca de uma causa para grandes efeitos, achamos que vem do lado de fora o que se pronuncia em nós, agudamente, por dentro. Os olhos explodem, fixados, enquanto o pensamento se remexe no esqueleto, inquieto. A nova disposição pede reações físicas, concretas, que exprimam a forte sensação de mudança. O indivíduo se percebe num mundo dinâmico e deseja participar dele – aliás, deseja mais: quer tirar do mundo o velho molde, e fazer com as próprias mãos uma realidade menos estranha à imagem que enxerga em seu espelho.

A contínua vertigem apaixonada é o segredo dos grandes artistas, para Unamuno. Talvez seja. Mas a vertigem cobra o seu quinhão. A paixão é um estado alterado, cujas perturbações se manifestam à flor da pele em simultâneo a tempestades íntimas. O preço cobrado varia do breve deslocamento de rota a um longo período à deriva. Sim, o apaixonado é capaz de impressionantes feitos. A paixão do gênio não deve ser confundida, contudo, com o gênio da paixão. Nem todo fruto de almas agitadas é reconhecido depois como fruto genial.

Já no palco do romantismo amoroso, a intensidade do encontro desvela a carne da paixão vestida nos trapos da ilusão – de pares que se fundem ou se opõem, em harmonia ou brutalidade. A paixão extrema tende ao fim no limite do mesmo horizonte que a deixa viva. Nesta situação, o crime passional realiza a metáfora do amor perfeito na potência máxima do ego em descontrole – onde o pensamento “morro por ti” não hesita em virar “morres por mim”.

Na Folha de São Paulo, Contardo Calligaris, ao comentar o filme, diz que a paixão é tentadora porque representa a idealização da vida plena, da vida intensa. De fato. E essa idealização também é a da experiência culminante do ego na escalada de si mesmo. Os superlativos não escondem: são aventuras de egos as paixões. Se o Dr. Contardo avisa que não basta esbarrar nela, “é preciso encará-la quando ela se apresenta”, entre outros motivos, é porque encarar a paixão significa mergulhar no self, no desejo, na possibilidade de ser outro, com a esperança de transformação radical.

Nas paixões, o indivíduo vê a chance de trair-se, de abandonar-se, como se um aguardado caminho de fuga se abrisse... Em pura contradição, é claro, com a paixão convicta de que jamais se foi tão sinceramente verdadeiro. Essa esquizofrenia da paixão, quando não levada demasiadamente a sério, permite que se brinque com ela, como escreve Calligaris, “sem perder a ilusão da liberdade” de que necessitamos.

Pois em cada paixão se traduz um indivíduo – somatório único de medos, sonhos, certezas e delírios. Para cada ego, um coração, de onde partem sentimentos e atos, ou se desdobram palavras e obras no deslumbre que provoca o surgimento de si.


Vicky Cristina Barcelona (Espanha/EUA, 2008)
Direção:
Woody Allen.
Com Scarlett Johansson, Rebecca Hall, Penelope Cruz e Javier Bardem.


22.10.08

Destinos cruzados

A pergunta – E se eu não for o melhor para esta pessoa, e tudo o que conseguir dar se revelar menos do que ela mereceria ter? – é presunçosa na melhor hipótese, covarde na intermediária, e pura inversão narcísica na pior delas.

A presunção é leve diante das outras porque advém de uma preocupação sincera, ainda que desmedida. O presunçoso ou a presunçosa “estão se achando”, mas no fundo sabem que a resposta esperada não guarda relação concreta com a pergunta formulada. É a proximidade que se deseja, e nenhum espírito superior justificaria um afastamento em nome desse receio.

A covardia está no meio do caminho entre a idiotice insegura e a adoração de si mesmo. Os covardes amam sofrer antes de sofrer por amar, e isso diz muito do romantismo choroso dos poetas lamurientos, tanto quanto da síndrome shakesperiana dos amantes solitários. Lamúria e solidão que não se observam no caso da poesia que canta a paixão sorvida até a última gota, ou da separação que sucede os encontros bem aproveitados.

O narcisista incurável, por sua vez, acredita na pergunta que se faz, só que a compreende pelo avesso: ninguém será capaz de lhe dar o que exige o seu ego hipertrofiado. Diante do espelho, a perspectiva de trocas recíprocas, perdas e renúncias não se apresenta como algo aceitável. Além de egoísta, Narciso é presunçoso e covarde, e por isso esta é a pior hipótese para a raiz da questão formulada.

Também se pode alegar a intrincada teia das circunstâncias, como sempre, para pular fora ou não assumir o risco de uma relação. A desculpa das circunstâncias serve a todos, como se não fosse exatamente devido às circunstâncias que o pensamento precisasse organizar-se para agir. Atenuantes não alteram as conseqüências, assim como o julgamento póstumo não muda qualquer decisão.

A rede circunstancial que envolve a dúvida sobre “o melhor” para a outra pessoa ainda se vale do argumento do tempo, ou mais precisamente, do timing, utilizado como túnel de fuga. A força do timing é avassaladora, pois, como certas teorias, inexiste o contraponto, e o que é dito se basta. Mas se você não constitui o melhor para o outro agora, poderia ser outra hora? Poderia ter sido antes? Ou vir a ser em um mês, ou em dez anos? O argumento do tempo é circular e não conduz a razão alguma.

A sorte é que esse tipo de pergunta é inócuo quando o monólogo à frente do espelho é deixado para trás graças à presença salvadora de quem importa – aquela outra pessoa que decifra em nós a cretinice de querer dirigir o destino alheio a partir do centro confuso do nosso incerto destino.


Amigos, amigos, mulheres à parte (My best friend’s girl, EUA, 2008)
Direção: Howard Deutch
Com Kate Hudson, Jason Biggs e Dane Cook.


31.8.08

A longa espera do medo

No confronto entre sair ou ficar, fugir ou se manter preso, crescer ou estagnar, envelhecer ou não vivenciar, partir ou não voltar, viver intensamente ou apenas não morrer nunca – a demora indecisa desperta os piores temores e as melhores fantasias infantis.

A jornada tem início com o passo rumo ao desconhecido. O desconhecido, esse monstrengo moldado pelo medo, essa sombra esquisita e irreal. Curiosamente a armadilha do monstro não afasta, chama. O monstruoso também atrai. Impensáveis fantasmas ganham vida, como num sonho aberto aos olhos. O sonho não é pesadelo porque não é puro susto: contornos bizarros, aos poucos, viram contornos comuns, coerentes com o território a ser desbravado – se antes inconcebível, logo antecipado pela nova respiração.

Na terra da fantasia, o chamado à sobrevivência é igualmente potente. A intuição criativa da imaginação navega nas águas do instinto. E se depara com a inevitabilidade da luta. Luta, aqui, não tão violenta quanto lúdica. Na suspensão espacial do sonho, o risco é um salto seguro, mesmo de altitude insabida. Para o virtual corpo onírico, a luta inevitável se adéqua ao desejo profundo de seguir lutando.

O confronto de todos os medos impõe ao desejo profundo, em seguida, um outro desejo: o de ir além, superar caminhos trilhados, transpor barreiras carcomidas e alterar o horizonte interno com uma nova visão defronte. Como o desejo, mais ou menos amedrontado, dos momentos de passagem – dos movimentos de mudança.

O ideário da mudança é a mesma biblioteca simbólica do movimento, cheia de túneis e pontes, paralisia e velocidade. Para sair da longa espera do medo, a fantasia dá vez ao mundo simples que se pôs de cabeça para baixo. Depois que tudo se explica em exagero sob a vigência do medo, o percurso da espera é desfeito. Afinal, simplificar é a função do susto.

Toda criança madura sabe disso – mas nem toda criança medrosa amadurece.


A viagem de Chihiro (Sen to Chihiro no kamikakushi, Japão, 2001)
Animação
Roteiro e Direção: Hayao Miyazaki.


26.8.08

O olhar íntimo está lá fora

Impossível é o que não acontece. Previsível é tudo que se espera. O que não acontece também se prevê, e talvez exista uma hora ou data marcada, uma espécie de tela de aviso de não-chegadas.

O amor como se canta o amor não é possível até que seja imprevisível. Até que não seja visto com antecedência, a quilômetros de distância, como uma sombra, uma ausência intuída na soma geral dos átomos no universo. Quando algo está faltando claramente, o amor aparece. E surge como aquilo que falta, presumivelmente impossível.

Não fosse a poesia recorrente, a insistente chama, a compreensão tardia, o amor teria como definição perfeita ser uma patogenia: algo de mórbida fonte. Mas colocamos a sua raiz no objeto, na luz de um olhar que não se esquece, no calor de um corpo intocado. O amor, pensamos, nasce no outro, e nos atinge por natureza, por destino, por inevitável sorte.

Uma conjunção de fatores complexos é necessária para a realização amorosa. Um alinhamento raríssimo de corpos celestes espelha o alinhamento raríssimo de corpos terrenos. É preciso que estejamos aqui, no mesmo lugar, na mesma hora, no mesmo humor, com os mesmos dilemas e vontades. O amor tinha que ser uma exclusividade literária. Só a literatura o torna inteligível. E ainda assim as palavras não se cansam de se provar batidas, pequenas e dispensáveis, pois na essência romântica pulsa o orgulho do que jamais é concretizado – ainda que venha a ser toscamente dito.

Mas uma conjunção de fatores complexos não significa obrigatoriamente sorte. A sorte muito maior é descobrir a paixão por outra fonte, porque no amor a sorte é a origem mais mórbida. Existem outras? Para o romantismo enfeitiçado e para a cultura romântica, não. Nem a amizade que evolui, nem aquela que degenera. Somente um raio de inexplicável poder que se abate sobre corações vazios, preenchendo-os subitamente com a imagem imutável e insuperável do outro.

Ela pode ser quem não esquecerei, a face eterna do arrependimento, a conquista mais cara, o preço mais alto que pagarei. Ela pode ser a melodia do tempo que sei de cor, mas não cantei. Ela pode ser o anjo dos meus sonhos, sorrindo ao meu reflexo, mesmo quando o espelho não for o que esperei. Ela pode ser para sempre uma alegria na multidão, o olhar íntimo do meu olhar. Ela pode ser o amor que não foi feito pra durar, um amor do passado até o fim. Ela pode ser o motivo que me faz viver, imaginando que estou onde ela está, e o sentido de seja lá o que for que mora em mim.


Um lugar chamado Notting Hill (Notting Hill, EUA/Inglaterra, 1999)
Direção: Roger Michell
Com Hugh Grant e Julia Roberts.


27.7.08

Verdade virtual

A violência verte – à força de imposição que faz a simulação mais concreta do que o mundo simulado. Mundo inventado pela força ou pela apatia, pela verdade ou pela mentira? A sensação imitada atinge e inunda os sentidos. O apático se sente forte, não se distingue o irreal.

No limbo da indistinção, enquanto o virtual é luminoso, limpo e respira estilo, o real é obscuro, sujo e feio. A virtualidade se move como um raio, explode quando o real dorme, imóvel. E o que se move não existe.

Na pancada do ciberpunk, a virtualidade é planejada como um sonho, e o onírico é alçado ao status de coisa real. O real de fato, improvisado como pesadelo, esconde-se num porão. Na mesma batida, o “despertar para a iluminação” prega a mentira objetiva do que há, o falso que estaria impregnado em tudo descrito como material. Pois a alma não é virtual? A salvação também tem que sê-lo.

A salvação futurista quer redimir o pecado pré-histórico... No entanto, se o futuro mente, a verdade ficou para trás, como profecia irrealizada.

No mundo da causalidade projetada, a escolha é uma ilusão definida – V ou F, violência ou escravidão, fraqueza ou liberdade, alienação ou força. Como se fôssemos o objeto de uma decisão, sujeitos de nenhuma. Você é escolhido, mas não escolhe, a não ser que decida virtualmente. As escolhas são portas, uma atrás da outra, que não podemos saber aonde vão nos levar.

Sem acidente, sem acaso, o saber é um jogo de poder violento e falacioso. No mito platônico, por exemplo, as aparências das sombras no fundo da caverna mundana só não enganam àqueles que vencem a mentira através de uma longa jornada de descobertas e autoconhecimento. Mesmo assim, Platão ainda é o melhor precursor do universo virtual, com seu plano de “formas” essenciais, inatingível para a percepção humana.

Daí a pergunta no devir matricial: a profecia é uma questão de tempo? Ou de esperança? Se a consciência fosse a ilusão da consciência, engano de si mesma, como iludir-se, em primeira instância? Os antigos e os novos pregadores de uma realidade ausente, como bons ilusionistas, não desmentem – a verdade virtual não se manifesta, prefere ficar em aberto.

A resposta, claro, está dada, na mentira que se disfarça ao se atirar para longe.


The Matrix Reloaded (EUA, 2003)
Direção: Andy e Larry Wachowski.
Com Keanu Reeves, Carrie-Anne Moss e Laurence Fishburne.


29.6.08

Notícia do eterno

Lembra do tempo em que não havia o que lembrar e a imaginação tinha que se virar para construir um mundo para os olhos que inventavam o mundo?

Saudade quando é aguda, quando é pesada, culpa. O desejo intenso de voltar atrás e refazer o caminho, consertar o que não se remenda, encontrar de novo as experiências marcantes como se fossem novidades. A lembrança é essa falsa notícia do eterno a bifurcar-se em duas direções – no labirinto do passado, beco sem saída, ou na clareira do consumado que apresenta o futuro.

Esquecer, por sua vez, é fazer de conta que o presente, ou a notícia presenciada, não existe. Ou pior: esquecer é desconhecer. Entre tantos lapsos, desconhecer a diferença entre o eterno falseado e o instante feito real. Quem não se lembra não discerne onde nem o que. Habita a eternidade da dúvida sem provar a eficácia do espanto. Para espantar-se é preciso lembrança, e como raramente vem o conhecimento sem o susto, há de ser esquecido aquele que não sabe, sequer, o que é.

Aliás, para Dante, o inferno é doloroso pela lembrança da boa hora que acomete o desgraçado na hora ruim. Como se a memória do contraste, ao invés de atenuar o sofrimento, alargasse a ferida, na tortura do condenado que não se desengana ao regressar aonde não tem como ir.

Está claro que esquecer é vital, e o que não for naturalmente (automaticamente) esquecido, lembremo-nos de esquecer. Mas lembrar o que for para lembrar. Para saber mais, uma vez que lembrar é saber. O conhecimento é o resgate do conhecido, depois do sonho da descoberta.

Para amar? Pode ser, já que esquecer é deixar de amar, no mesmo dicionário romântico que define o amor como a recordação que não passa. A incursão psicanalítica diz que não pensar é uma maneira de reprimir o sentimento que a lembrança permite.

Além de conferir ao mundo coerências particulares e alucinações procedentes, essa falsa notícia do eterno permite a cada um personalizar verdades, conceber mentiras e assumir ilusões antigas.

O labirinto sem saída é um lugar para se visitar, não para viver lá.


Allegro (Dinamarca, 2005)
Direção: Christoffer Boe
Com Ulrich Thomsen e Helena Christensen.


18.6.08

Do amor que se deseja

Se pudéssemos matar em nós a morte que nos mata – viveríamos mais?

Ele nem pensava nisso. Antes de matar a morte que lhe mata tentaria afastá-la da dela, na esperança de que ao menos enquanto estivesse por perto ela estaria segura.

E se para preservá-la tivesse que fazer mais, aumentando a força que os atrai até o limite da resistência? Não hesitaria. Crer na atração é descrer que haja limite. Preservá-la seria saber que resistia, e sabê-lo seria preservar-se, resistir junto.

Mas a permanência cobra tarifa. A do sonho romântico é o realce da impossibilidade... Um sonhador francês já descreveu o arco patético do ciúme em face do alcance mínimo dos corpos como algo fadado ao desespero. Só que eles não leram, ou não se importaram com as minúcias românticas de Proust. De corpos intactos e intácteis, incapazes de se tocar, reescreveram a história dos que desfrutam e padecem de amor perfeito, em que a paixão não recua nem o desejo se sacia.

O tom de paradoxo não descolore o estranho apelo neoromântico. Em seu amor transparente, a impossibilidade recua diante da ternura, a infelicidade típica dá vez a uma alegria convicta: a alegria dos que têm ciência de que não podem ser mais próximos do que são. Nessa distância que não se quebra – nem é expandida – a utopia particular dos amantes impossíveis se forma.

Era como se o poder da vida e da morte selasse uma antiga promessa que se cumpria enquanto não se consumasse. A ressurreição dela não implicava senão a relativa renúncia de ambos ao amor que não se sepultava, diante da recuperação de uma beleza conjugada que julgavam para sempre perdida.

Se podemos viver em nós a vida que vem de fora – sim, vivemos mais.


Pushing Daisies (1ª temporada, EUA, 2007)
Criado por Bryan Fuller
Com Anna Friel e Lee Pace.


27.5.08

Ponteiros

Visões extremas se reconhecem do outro lado da linha.

O que acontece quando a vida em seu apogeu se depara com a decadente espera do fim? Quando a exuberância da flor abre-se à luz do dia e se espanta com o brilho esmaecido dos olhos da noite?

A poesia e o desespero coexistem, formando o desespero poético e a poesia sem esperança. Coexistem, sem anular-se, partícula e antipartícula da eternidade em forma de carne. Coexistindo, atraem-se.

A atração abranda o choque. Atração pela queda misteriosa, de um lado, e pelo viço perdido com a ferrugem, de outro. Os limites da atração são nítidos, invioláveis as fronteiras – entre o auge da juventude e o último degrau do discernimento. Ainda assim, há encruzilhada.

Encruzilhada em que o paradoxo não descamba no confronto comum em que se metem visões extremas. A força não expulsa a fraqueza, o movimento não desdenha a paralisia, a liberdade não condena a prisão.

O cuidado recíproco, todavia, é distante. A matéria pensante esconde o que a mente rotula de afinidade, afastando-o como se repara de longe o costume exótico, o pitoresco que nunca está próximo o bastante para deixar de ser aparência ou engano.

Mas a ligação impossível e inevitável acontece: ligação de avessos, de complementos não opostos, de ponteiros paralelos no segundo que não se repete.

De pedaços polares da mesma linha querendo saber o que os torna tão diferentes, se o trajeto que separa os pólos não é dado, se a flor da juventude está no velho, se o outono da idade está no jovem.


Vênus (Venus, Inglaterra, 2006)
Direção: Roger Michell
Com Peter O’Toole, Vanessa Redgrave e Jodie Whittaker.


21.4.08

A respiração profunda

Técnica para enfrentar desafios, estratégia para recuperar o controle, sinal de transigência com o passado, de atenção ao presente, de confiança no futuro. A respiração modula o organismo e coordena o tráfego por onde flui ou estanca a vida, das vísceras ao raciocínio. Dizem que um segredo dos mestres é a virtude respiratória. Paciência de respirar uma respiração virtuosa.

Também revela o desgosto, manifesto instinto de desagrado ao que se acha sem reparo. A respiração do desapontamento, liberando o ar que não presta para o lado de fora, renovando o oxigênio puxado pelos pulmões. A respiração do desalento, da melancolia. Da impaciência comum. E do luto, em busca de novos ares.

Respirar fundo e mergulhar. A provisão de ar como prelúdio. Antes de um passo mais longo, do movimento progressivo, antes do inevitável – quando se pode prever o próprio espanto, mesmo se é difícil conceber o susto. O mergulho é um salto para o esperado tanto quanto para o desconhecido. O inesperado também demanda preparação, e a boa respiração favorece a sorte, assim como o descompasso no ar inalado produz paralisia.

A demora na libertação vem do ar viciado. O ambiente inspirado é uma das causas de aprisionamento. A imobilidade começa pelo peso da atmosfera. A pressão dificulta a respiração, e a respiração carregada faz o real ficar mais pesado, de volta. Respirar melhor alivia, conduzindo o pensamento e o corpo às condições propícias à libertação.

Mas que liberdade procura quem se aproveita do ar limpo como da verdade, apenas para encobrir a mentira? A verdade é a mentira, a mentira é a liberdade na respiração desencontrada.

A mentira dissimulada no vento posto em rotação pelos que mentem é dita, primeiro, ao entrar e sair pelo nariz com naturalidade – ou ser denunciada. A brincadeira, a mágica, a crendice, a crença, aproveitam o clima cúmplice suspenso para satisfazer o desejo de ilusão.

Numa dança de passos previsíveis, a sincronia aumenta na medida da imprevisibilidade. A sincronia é a redescoberta da respiração, não mais truque repetido, e sim, o próprio ar que se renova – como mergulho livre em um rio que passa.


Atos que desafiam a morte (Death defying acts, Inglaterra/Austrália, 2007)
Direção: Gillian Armstrong.
Com Guy Pearce, Catherine Zeta-Jones e Saoirse Ronan.


6.4.08

A fadiga das paixões

O prazer protege no deserto. Mas a proteção tem seu preço, como um êxtase silenciado, uma dor camuflada na vastidão embriagante, no frio noturno, no hábito do deserto.

Hábito de contrastes e choques, das profundezas de uma mente ofuscada à superfície estendida à vista. Desde o início da travessia a estranheza é patente, os choques chegam a cada passo. Nenhum é maior que aquele, compreendido aos poucos, de ter sido largado, ter nascido, existir em pleno deserto.

Eis que um brilho concentrado pede atenção, a luz inteira de cima e do chão num ponto especular distante. O espelho se aproxima, sussurra palavras indizíveis. Compartilhado o silêncio, o deserto é um palco de grandes paixões, em cuja amplidão se revezam o gozo e o conforto, o instante e a duração. Tem-se até a impressão notável de se ver ali o ensaio de espetáculo anunciado, como se antes dos atos propriamente ditos soprassem prenúncios do porvir.

A visão do ensaio quer se prolongar indefinidamente, feito areia se deslocando em mar seco. Então o prazer se prolonga – mas também o desespero. O silêncio dividido corre para trás, vira silêncio pulverizado, assobio cortante do areal sem identidade, assobio de vento que não estanca.

Então o deserto se dirige a todos os lados proveniente de uma direção só. Há uma fonte da qual brota o deserto. Na fonte o deserto é sereno, ínfimo grão de areia em invisível semente de turbulência. Fonte do prazer intuído, e da ausência da espera, do fim da expectativa... Fonte de um estado de essência des-esperada prometida por santos idolatrados ou descrita por alguma vã filosofia.

A solidão desdobrada em si é a fadiga projetada noutro deserto: a fadiga das paixões, delirantes no dia escaldante, trêmulas, tão logo o sol se põe.



O céu que nos protege (The sheltering sky, Inglaterra/Itália, 1990)
Direção: Bernardo Bertolucci.
Com Debra Winger e John Malkovich.


17.2.08

Despertencimento

Pertencer ao lado de fora não é escolha mercê de ponderação, ou estrito lance de azar. De todo jeito não é fácil. Pertencimento implica em doação, na melhor hipótese. Ou em um tipo de abandono a feras que não avançam: apenas julgam (pelo menos é o que parece ao que se acha julgado).

É possível a acolhida após o abandono, se já não tiver havido o aceite tácito, prévio, típico do ato de se doar. Claro, a aceitação está, antes, no pertencido – solitário agregado ao coletivo – do que no meio (hostil) em que se vê o abandonado.

A identificação é forma de superar a solidão vinculada ao abandono. Pressuposta a rejeição, porque a primeira aceitação – de doação – sequer foi suposta. O enjeitado não se enxerga pertencido, pois, de partida, não se pertenceu. E a rejeição que já se encontra na ida, repete-se na volta.

Mas não provindo de escolha ou azar, como se doar e lograr tal pertencimento? Talvez não haja resposta ao que não traz receita. O ambiente externo, sociável, é refratário ao esforço notório de integração. Um músculo em flagrante incômodo, uma idéia deslocada, uma locução sem destino, são captados instantaneamente pelo grupo – e pelo próprio sujeito que não se oculta em seu descolamento.

Ser do outro é fato sem esforço. Movimentos espontâneos de entrega e comunhão não acarretam incômodos, dores e abalos sísmicos. Um desejo simples não degenera em neurose, por logo realizar-se, e se realizar em moto contínuo. Ser do outro é como uma conversa entre iguais.

Se for entre estranhos, o encaixe não se disfarça, não dura. O encaixe falseado vai se mostrar inadequado quando o esforço subir à superfície do encontro forçado. E como acontece! A “arte do encontro” prima pelo desencontro por causa dos nossos tantos despertencimentos. Seguimos nos conhecendo e nos estranhando, conhecendo e estranhando o despertencimento alheio.

Isso não tem a ver com se adaptar ou não, numa luta heróica ou comum, poética ou anônima pela diferença. Ser do outro é compensação, prêmio de consolação que dá um pouco de conforto ao corpo, de sentido ao pensamento, de finalidade ao discurso proferido. Ao menos por algum tempo.

O que pode ser um verdadeiro alento para a sensação compartilhada, em todos os grupos, de não pertencermos a nós mesmos.


Zelig (EUA, 1983)
Direção: Woody Allen
Com Woody Allen e Mia Farrow.

9.2.08

Dando voltas no tempo

O resgate dos dias que virão é complicado como o dos dias sepultados. Sem se importar com o óbvio paradoxo – futuro visto é futuro alterado – a mente recorda em bloco, como se quisesse funcionar para trás e para frente, por causa da estranheza diante da natureza do tempo.

O passado é estranho como o futuro. Na memória resta a prova da vivência direta ou de indiretos instintos e tendências filtrados pela genética. A memória relata o mundo ao sujeito – e relata ao mundo um sujeito. Você é o que você lembra do mundo. Você é o que você lembra de você.

A condição aberta do vindouro, enquanto isso, depende da memória para se valer. Toda promessa é promessa “para”, toda esperança é esperança “de”. A abertura do ser pertence às contingências da lente e do foco, e não haveria abertura sem a limitação que a explora. Seria abertura para o nada, abertura vazia. Ou sujeito sem mundo, ou mundo sem sujeito: idêntica queda no abismo.

Visitar o passado é estranho como se aventurar no futuro porque sair do instante presente é quase deixar a presença física, abandonar o corpo numa viagem sem destino.

Sendo o lugar onde a vida está, o presente é o tempo consumido da razão em que o tempo existe. O centro de um relógio, ponto imutável a servir de referência para pontos eqüidistantes na circunferência que liga o antes e o depois.

Além de mera suposição – como diz a filosofia sobre a “certeza” do sol nascente no dia seguinte – o futuro é uma suposição projetada. E as projeções vêm orientadas de algum canto. O futuro é o passado projetado. Um tempo esperado, um tempo que se esperou.

Mas o passado lançado à frente pode assumir feições insatisfatórias ao que se pretende “novo”. Então a memória se trai. A recordação do “futuro” se revela, no poder presciente, inevitável circularidade – como a luz da manhã e o silêncio da noite.

Prever e lembrar, no tempo circular, são o mesmo ato com efeitos avessos: prever é lembrar pelo avesso, antecipar a lembrança sem atravessar o presente.

E pôr na memória prova suficiente de bela ou trágica profecia.


O Vidente (Next, EUA, 2007)
Direção: Lee Tamahori.
Com Nicolas Cage, Julianne Moore e Jessica Biel.
Baseado no livro “The Golden Man”, de Phillip K. Dick.


4.2.08

Rima primitiva

Quando a sintonia é regida pelo silêncio que grita no espaço entre dois, o desatino que leva corpos atraídos ao descontrole não prejudica o entendimento rápido, livre das palavras tuteladas, acostumadas ao oposto do desatino, ao controle de um.

Palavras co-geradas emanam fora do alcance individual. Palavras quase audíveis no silêncio regente, no baile de pequenos gestos de repente alçados à linguagem mais relevante. Cada verso é costurado em pares, à maneira do DNA, numa dupla hélice espiral: como se fosse o mesmo verso, o mesmo corpo, um em busca do outro, dois paralelos mergulhados no ensejo de um.

Versos conhecidos repetem-se com solene prazer, na trajetória que oculta e descerra a distância impossível de se cumprir. Versos repetidos na ilusão de vencer a separação onde os apartados vibram, percorrer por inteiro e em todos os pontos, pelo chão, pelo ar, o caminho da atração.

Assim o poema é sempre um novo arranjo de poesia que não sacia, limiar de corpos que se invadem, reservando aos invasores o retorno ao ponto de partida. Para que a sedução recomece, e o silêncio conceda novamente a sua dança.

Pode ocorrer de se baixar o descontrole dos sentidos, e um filtro profundo apure o que aflora na superfície. Ou pode ser que o grito mudo apenas surja do espanto defronte de rima rara.

O caso que for, a existência entra em êxtase por se lançar além. Na direção de alvos projetados com avidez sobre uma flecha de luz, por sua vez também um alvo móvel que brilha, mira e seduz.

O corpo se entrega à necessidade do não dito, e se dedica ao que o libera do pensamento narrado, discursivo. O desatino corpóreo é pensamento primitivo, poético. Desatino de conscientes autômatos, atirados ao que mais se parece a uma experiência breve, fora do ser.


Sexo com amor? (Brasil, 2008)
Direção: Wolf Maya
Com Carolina Dieckmann, Reynaldo Gianecchini, José Wilker, Malu Mader e Eri Johnson.


31.1.08

Mundos de multidões

Cidades aglomeram gente. Multidões habitam cidades. Transitam para todo lado, entupindo veias urbanas – fazendo circular nelas o trabalho (energia) que sustenta, alimenta e amplia toda cidade. Sustenta, alimenta e cria mais gente.

As multidões já levaram, nas faces misturadas, nos ombros e braços multiplicados, alguma utopia. Esperança e poesia. Sob a visão de Baudelaire, por exemplo, as multidões revelavam a cumplicidade possível dos estranhos, que em seu passo difuso buscavam a felicidade ideal de um destino só.

O anonimato entre muitos teria uma aura de força originada no indivíduo que seria tão mais valioso quanto mais solitário... Desde que se deslocasse na horda, e se confundisse com a replicação de si mesmo e seus desejos, temores, capacidades e limites comuns.

Em suas “Cartas a Milena”, Kafka faz referência à contemplação de multidões que “gritam e se dispersam” na rua, sob a mira de baionetas. E lamenta, em mais um lance de autocomiseração, a sua condição, que é a de “imunda vergonha de viver constantemente protegido”. Vê-se claramente o desejo de participação, no solitário envergonhado (des)mascarado pela multidão.

Será que hoje resta alguma culpa na vontade de proteção? É de se perguntar até que ponto as multidões ainda representam a utopia. Pois habitam todas as ilhas. Falta espaço até na imaginação. Mundos imaginados? Mundos de multidões.

O cenário virtual de uma megalópole vazia passa a valer ambiguamente, pesadelo e sonho de indivíduos acossados, ameaçados por multidões.

Pesadelo, uma vez que a cidade estampa vestígios do ideal civilizatório que o ser urbano abraça como “natural”: a vida é melhor no meio de tanta gente porque com tanta gente em volta a vida parece melhor.

No entanto, eis o sonho, contra a maré, enaltecido de viés na obra de ficção para o consumo de... multidões. Eis o sonho, reinante nos lugares apinhados que se arejam, tornando-se mais “habitáveis” (note-se a contradição) nos feriados prolongados, como em dias de Carnaval.

A concentração de pessoas, de cura coletiva, passou a signo de doença. Entre as mais conhecidas, estão a Síndrome do Pânico, cujo gatilho pode disparar na multidão, ou na perspectiva dela (como numa fila de banco, como contou o escritor Mário Prata), e a Fobia Social, manifestada no cumprimento de atividades cotidianas acompanhadas pelo olhar do outro.

O outro é mais que invasor da privacidade, em uma época de olhos onipresentes. O Big Brother original, de Orwell, foi ultrapassado: o medo da vigilância estatal foi trocado pela exposição de todos a todos, no tropeço de olhares de uns nos demais. “Você não perde por espiar”, repete Pedro Bial. E por ser espiado ininterruptamente, quem ganha? O que se ganha? Além da promessa de fama, seja lá o que for essa fama para os espiados.

Também os mundos virtuais são repletos de multidões, no encalço do indivíduo que busca livrar-se delas no real. Agora são os indivíduos que “gritam e se dispersam” sob a mira das multidões.

Um senso perdido de proteção fica à mostra, como uma carência perturbada na presença maciça de estranhos que não são mais a melhor companhia. O grande problema é que somos a companhia indesejada de outro. Somos os estranhos de uma qualquer multidão. A separação se esgarça, contudo, tampouco a união resiste.

Se indivíduos precisam de indivíduos, mas a certa distância, que mundos formaremos, nós, as multidões?


Eu sou a lenda (I am legend, EUA, 2007)
Direção: Francis Lawrence
Com Will Smith e Alice Braga.

25.1.08

Desenlace

Linha de luz entre reflexos, ponte a ligar dois mundos, união do que não se toca – o entrelace de olhares pode ser firme e sereno feito mãos que se entregam à primeira vez.

Entrelaces não se dão à primeira vista. Percorrem labirintos antes. Espirais infinitas vão e vêm. Invisíveis lentes ampliam o que mal aparece, e um relógio de areia restitui o tempo sem cessar. Em cima da cena, o esboço indefinido ganha contorno, eco bem repetido reforçando a orientação do sonar.

O foco da intuição percorre os detalhes atrás de informação conhecida, mesmo que nunca se tenha detectado igual aparência. O relógio de areia não dá trégua, embora pareça que o tempo não faça questão de passar.

Afinidades tropeçam nas fundações. Instabilidades ocultam os detalhes descobertos cedo, encobertos pela visão desviada. Quando é simples o que acontece, e algo se estabelece à revelia de mil perguntas, sua importância se envolve em beleza leve. O suave escolta o simples de importância sem gravidade. Se as perguntas desorientam, apagam a linha surgida, são dissipadas num sopro, retornam ao silêncio.

Se a compreensão do entrelace tem chance, é pela graça, pela poesia emanada que é fonte da atração descomplicada. No entrelace, a linha de luz vence a sombra, o simples toma o lugar da dúvida e alicerça a permanência da quietude.

Mas a quietude, se quer? Quando o desejo não se aquieta, aquilo que não se completa está disposto ao risco de outros laços e labirintos. Quando o medo não se quieta, aquilo que se completa não chega a ser desfrutado – e um precoce arrependimento recorda o eco antigo da inquietação que ficou.


Poucas e boas (Sweet and lowdown, EUA, 1999)
Direção: Woody Allen
Com Sean Penn, Samantha Morton e Uma Thurman.


17.1.08

O mergulho do corpo e da mente

Dos pequenos gestos cotidianos às decisões de severos efeitos, a cada momento construímos a realidade de acordo com as contingências e as possibilidades da liberdade que temos. Embora seja possível especular sobre milhões de mundos em dimensões paralelas, e até sobre os bilhões de mundos individuais na Terra, a realidade que nos integra é uma realidade singular, indivisível e irreversível (apesar das “viagens” dos gurus da física quântica, esmerados na divulgação do que mal sabem explicar).

Ser alguém diferente, estar em outro lugar, acalentar o sonho de uma virada radical – são desejos comuns que muitos trazem do berço. Desejos do presente para o futuro. Inquietações de um estado que não satisfaz, reunidas em torno das disposições construtivas do novo – ou das indisposições que conservam, paradoxalmente, o que sabidamente não se quer.

Mas não podemos ser diferentes do que somos, nem estar onde não estamos, por maiores que sejam os anseios que animam – ou desanimam – a alma. A singularidade que acompanha a consciência configura o real na mesma medida. Apesar de cada consciência parecer um mundo à parte, o que se tem a partir dela não é um mundo para cada consciência.

A interface entre o desejo e a condição dada, o exterior e o interior que se atira para o lado de fora, a realidade posta ao existir consciente, é o corpo. Palco dos pequenos gestos e dos severos efeitos, o corpo é a dimensão que possuímos da matéria visível no universo, e ainda nos intriga tanto quanto a misteriosa matéria escura que se esconde da vista, porque não recebe nem emite a luz.

Dentro do corpo mora a mente. Pelo corpo, a mente se lança ao mundo. O corpo encurta a mente, a mente expande o corpo: a limitação é objetiva, a expansão é virtual. A mente não é outra coisa senão corpo – ainda que seja o corpo virtual, no mundo virtualizado.

A virtualização do corpo e do mundo almeja romper a fronteira corpórea e alterar essencialmente a consciência da matéria viva. Por que a consciência depender da vida? Por que o cérebro é visceralmente importante? E o corpo, por que não ser maior, mais flexível à mente que cresce ao se deslocar no mundo?

Desde a invenção do fogo, a tecnologia se presta à fantasia. A chama do conhecimento é propícia à divagação. A fantasia, em retorno, turbina a tecnologia, com a crítica da construção de uma realidade imperfeita. A imperfeição aparece ao que mergulha na natureza.

O mergulho da mente é um mergulho para cima. O mergulho do corpo vai na descendente. A mente voa, o corpo cai. No mesmo espaço, no mesmo tempo – na única realidade, cuja face, revelada, nasce envelhecida.

O real é renovado mentalmente. O corpo, onde o real floresce, acredita no virtual poder do mergulho da mente, atrás de uma saída de emergência para o lugar que não existe.


Vanilla Sky (EUA, 2001)
Direção: Cameron Crowe
Com Tom Cruise, Penélope Cruz e Cameron Diaz.

13.1.08

Amor pensado

Favorecidos pelo acaso, costumamos chamá-lo pelo nome de sorte. A sorte é grande, continuamos, no encontro de alguém que considere a sorte recíproca. Mas às vezes a reciprocidade é tamanha que parece irreal... Neste caso, se o absurdo irrompe do acaso benevolente, aquilo que não tem sentido mais tarde será visto como inevitável. Somos assim. O que é ilógico torna-se dogma, o inconseqüente vira necessário.

Antes disso, na trajetória do caos à ordem – do impossível que acontece ao acontecido que não poderia deixar de ser – o indivíduo apaixonado que dá vez ao absurdo, e opta pelo “não” preventivo, abre uma porta à transmutação da surpresa em horror, da alegria em dor, da atração em temor.

A paixão é tempestuosa e absurda, de fato. Surge de qualquer canto, de qualquer jeito, a qualquer hora. Puro lance de sorte, propiciado pelas chances abertas na armação de condições dadas, ainda que sejam condições imponderáveis, fora de controle.

É aí que a paixão, de incontrolada, passa a condicionada por motivos além da sorte, no esforço de se remeter a culpa da paixão para o lado de fora. Encontros fortuitos lidos nas estrelas, histórias pontuadas de coincidências fabulosas, servem à tentativa de justificar a ausência de explicação convincente sobre o que se sente.

O sentimento então é aprisionado. Dogmatizado. A emoção é vítima do arbítrio, na pretensão de compreender e limitar o raio de ação emocional. A paixão fica refém do amor impossível.

E o amor impossível é refém da razão. Pois provavelmente o ceticismo, ali, não funciona. Se quem ama, não pensa, e quem pensa, não ama, a fórmula reducionista não leva em conta o efeito da sorte sobre a mente dos apaixonados.

É melhor pensar o amor e amar enquanto a paixão é livre, e libertá-la é sentir a sorte sem absurdos nem dogmas, para que o amor não seja mal pensado.

Além do mais, o pensamento que ama vai mais longe que o pensamento mal amado.



Nunca é tarde para amar (I could never be your woman, EUA, 2007)
Direção: Amy Heckerling
Com Michelle Pfeiffer e Paul Rudd.


9.1.08

Caça ao tesouro

Tesouro é o que se abriga dos olhos nas profundezas da imaginação, é celebrado sem ter sido visto, é cobiçado antes de conhecido. Um cristal ideal lapidado no tempo certo.

A informação sobre o tesouro, no entanto, é farta em minúcias. Durante a busca, o que não se sabe não importa: as lacunas que persistem são preenchidas pela expectativa, espaços propícios à fertilização curiosa.

O tesouro mantém-se alheio ao mundo, estranho ao toque, pérola distante à espera de descobrir-se... o porto perdido na ilha fora do mapa.

A lenda do tesouro se forma e se espalha na superfície, enquanto o tesouro descansa lá embaixo, à sombra silenciosa. A lenda desmente a fantasia e se desvencilha de um manto desnecessário: o tesouro é intocado e essa qualidade basta. O tesouro é selvagem, porque o tempo o torna puro, na virgindade impoluta do inédito contemplado.

A esperança da virtude acompanha a lenda. Se por um lado há pureza, de outro viceja a permanência que desafia o tempo. Pela demora pra aparecer, o tesouro também é precioso por ser tomado por algo que dura. Uma espécie de força imune ao desgaste, ou de beleza imutável.

A sua posse é improvável, pensar nela é sofrer em vão? Os aventureiros que se lançam apaixonados estão atrás da grande recompensa no final. Mas tudo que se persegue vai junto durante toda a jornada. Desde o primeiro passo, o primeiro sonho, a primeira dúvida.

Tesouro é o que se dá aos olhos após consumir a imaginação, na dádiva que surpreende. É a compreensão que renova a vontade de saber mais.

Um cristal real, exposto à experiência do mundo.



Criaturas das profundezas (Aliens of the deep, EUA, 2005)
Direção: James Cameron e Steven Quale.
Documentário no fundo do oceano com cientistas da Nasa.


30.12.07

Promessa do amor

A promessa do amor distante reduz a chance de erro enquanto protege o sonho contra a realidade. Uma chama elevada consome a paixão afastada até restarem pequenas brasas entre as cinzas da união abstrata.

Se o amor não está do lado, não está em lugar nenhum. Ou segue no mesmo barco, ou não espera na outra margem, de braços prontos pra quando o amor aportar. Então, não ir, desistir da luz que desponta longe? Nunca. Mas ir atrás de uma imagem, de um ideal, é bem diferente de encontrá-los no fim do caminho.

Embora a aventura amorosa sirva-se com fartura das trilhas da imaginação, e o coração romântico se fortaleça na plenitude de sua fraqueza – antecipando a falta que lhe traz companhia – a aventura é maior e verdadeira na troca do idealismo pelo real.

Quais as vantagens dessa troca? Para começar, o desejo deixa de ser ânsia do impossível, para se tornar o aguardado prazer que se repete. O sofrimento de existir dá vez à alegria de viver. A embriaguez do espírito é substituída pela lucidez do corpo: agora o corpo manda e o espírito obedece (quando o espírito manda, o corpo adoece).

A idolatria de um ser distante – ausente – é destroçada pelo aprendizado da companhia de um ser presente. Admirar o outro é possível, mas não mais condição de permanência ideal. A admiração não é causa, e sim, conseqüência. A presença de quem sem ama é uma dádiva que se aproveita, não uma graça alcançada.

O amor como promessa não se dilui com a proximidade, nem se faz tão concreto que perca a aura sobrenatural. Mas é fora do plano etéreo e da pureza romântica que vigoram as melhores paixões – na fruição do amor, e não, de sua impossibilidade.


Noivas (Brides, Grécia, 2004)
Direção: Pantelis Voulgaris
Com Damian Lewis e Victoria Haralabidou.


23.12.07

Simbiose

No resguardo do ser animado e posto em moto próprio resiste o tecido mágico, isolante e interativo, anteparo e continuidade do mundo. Tecido formado por células que trabalham, poros que filtram, genes perpetuados. De magia nem sempre discernível no lusco-fusco de coisas fechadas para as quais parece não surgir nada.

O estranhamento do corpo libera pensamentos metafísicos que podem ir do pânico ao nirvana. Tomado por embalagem da alma, o corpo aprisiona um ente convulsivo que não se culpa ao pretender, nos piores e melhores momentos, “sair de si”.

Diante de outras embalagens – de idêntico conteúdo? – prisioneiros e iluminados têm que “sair”. É um movimento complexo, duro de entender. Movimento involuntário, quase sempre, deixando o espírito (conteúdo) embatucado.

Porque os corpos animados em torno do nosso constituem alvo de fascínio ainda maior, extensão daquele provado pela mente ao se descobrir habitante de matéria igual: montada com os mesmos átomos, na arrumação fundadora de realidade única, no tempo comum.

A saída supõe a chegada. Encontros viram desencontros. Azar e sorte se alternam na perspectiva de indivíduos que se esbarram enquanto seus corpos existem. Neuroses e paranóias aproveitam para se instalar no intervalo, nas frestas do desencaixe, nas cicatrizes mal fechadas.

O indivíduo livre devido à solidão radical do corpo deseja o fim da solidão e a abdicação da liberdade. O indivíduo anseia por utópica simbiose. Quer dividir a matéria animada – o corpo em que vive – como divide o mundo forjado e ocupado pelo pensamento.

Mas a relação simbiótica não voga para os da mesma espécie. A necessidade do outro é indireta, complementar, apenas simbolicamente vital – ou seja, em termos humanos, necessidade concreta e indispensável. De sobrevivência? Talvez não. De comunhão das impressões que atravessam as embalagens corpóreas, certamente.



Invasores (The invasion, EUA, 2007)
Direção: Oliver Hirschbiegel
Com Nicole Kidman e Daniel Craig.

14.12.07

Aproximação

Era um drama chegar perto. Um problema sem solução, a timidez bloqueia todos os músculos, exceto o coração. Um delírio à luz do dia impede raciocinar sobre qualquer outro assunto, deixando a lucidez delirante emaranhada nos fios que podem levar o pensamento fixo ao encontro do esperado destino.

Chegar perto era um dilema. O que se deseja tanto provoca tremores de causa desconhecida. Tremores de origem incerta, deixando o corpo febril e a mente inquieta em torno de uma pergunta: a própria causa é capaz de aplacar a febre?

Era uma questão de honra, chegar perto. Nada no mundo equivale ao que emana da mais íntima intuição, que se mostra no mais perfeito reflexo do lado de fora. Como o íntimo que emana do mundo, na forma intrigantemente familiar de quem nunca se viu na vida – ou a quem o costume habitou o olhar e incentivou o olho a não querer largar. Aí não se quer permitir a aparição regredir, desaparecer, se ir – pois seria como regredir, desaparecer e se ir junto.

Era difícil chegar perto. Ainda é. O porto seguro jamais se alcança, jamais é perto o bastante. Após a primeira aproximação se percebe a necessidade de outras... Porém a distância mantida não é igual, nem é igual o gosto doce de apaixonante incerteza diante do inefável prestes a se materializar.

A doçura das distâncias quebradas reserva um sabor para cada aproximação. Cada aproximação é um drama, um dilema, e uma necessidade.

Apesar da vertigem e das dores, da embriaguez alienante, da febre e da razão que se esvai, é preciso chegar mais perto. Conviver para compreender as vertigens, as dores, a embriaguez e a febre do outro. E assim compartilhar lágrimas e sorrisos, perdas e afetos como só se consegue ao rés da intimidade do mesmo mundo.



O despertar de uma paixão (The painted veil, China/EUA, 2006)
Direção: John Curran
Com Naomi Watts e Edward Norton.
Baseado no livro de W. Somerset Maugham.


10.12.07

Fuga do presente

O esquecimento faz infinito o tempo que a lembrança vê escasso. Para esquecer não há fórmula, talvez sorte. Para lembrar, basta qualquer condição que mine a chance de se distrair da contagem regressiva.

Esquecimento não é dúvida. Duvidar da finitude de tudo é tática existencial que permite a coragem insana da guerra. Mas se a tática não funciona, a iminência do fim recorda a voracidade do tempo, a coragem é diluída na vergonha – numa bravura maior.

Bravo daquele a crer no verdadeiro presente, sem engano, sem disfarce. O presente insustentável como o ser de Milan Kundera, inadiável como a busca detalhista de Marcel Proust. O presente pede a bravura, pois nem se sustenta, nem se adia.

Como explicar a verdade de um instante que muda antes de vir e prossegue mutante até sair? Do instante que somente se cristaliza depois? Ou a urgência de um segundo que por tantos ângulos em nada difere do precedente, ou daquele que poderá ser visto em seguida?

O presente não se explica. A vida é o presente que se desenrola, breve – “infinito enquanto dure”, proclamou Vinicius de Moraes. E cada um de nós tem a sua brevidade infinita. Mesmo quando a humanidade é uma mancha visível, no horror frívolo das guerras, pertence ao indivíduo o presente dolorosamente sentido como tempo desperdiçado.

No naufrágio da loucura a salvação é o esquecimento. Na tortura de uma consciente demência, na terra arrasada de combatentes iguais, de egos quase anulados, dirigir o pensamento para longe pode significar a sobrevivência. Para longe de onde? De si, do presente.

Para os dias banais de uma vida perdida cujo retorno é celebrado em sonho. Para os braços e os olhos do amor longínquo considerado o último e maior dos prêmios. Para o aconchego mental de um deus criado à imagem e semelhança dos tementes ao tempo.


Além da linha vermelha (The thin red line, Canadá/EUA, 1998)
Direção: Terrence Malick
Com Sean Penn, Adrien Brody, John Cusack e Ben Chaplin.


4.12.07

Livros não viram cinzas

Letras enfileiradas em palavras. Palavras encadeadas em frases. Frases agrupadas nas estrofes e parágrafos, reunidos em páginas numeradas para encadernação. Os livros são objetos construídos. Com muito suor e, quem sabe, lágrimas, os livros depois de prontos respiram como crianças, e falam como anciãos. Pois um livro carrega o frescor da infância e a sabedoria dos mais velhos – concentrando a vida do autor, que não passa de “um lugar em que o tempo existe”, segundo José Saramago.

Queimar livros, portanto, é querer destruir a memória viva de uma época. Cada época com seu estilo, filosofia, anseios, heresias e visionários, possui nas obras dos antepassados a representação de trilhas tomadas ou ignoradas. Queimar livros é tentar atalhar o futuro ou impedi-lo, como se na disjunção das palavras esfumaçadas fosse desfeita a história que levou aos homens e mulheres que escreveram os livros.

A realidade, lembrando Borges, é um livro de areia com páginas infinitas, onde nenhuma página pode ser lida duas vezes. “Mas o nosso dever é edificar como se fora pedra a areia…”, sugeriu o argentino que, mesmo depois de cego, continuou preenchendo os cômodos de casa com livros. Para Borges, ateu, o livro era um objeto sagrado.

Para escapar da areia que não podemos apreender, lemos bíblias, enciclopédias, ensaios filosóficos, peças literárias. Jornais, revistas e blogs. Para ter o prazer ou a ilusão de carregar nas mãos um punhado dessa areia (in)formadora do real.

Na areia movediça da ignorância, em pleno deserto de intolerância, religiosos, nazistas, feministas – e até uma associação de pais ingleses preocupados com estórias infantis de final triste – tentaram rechaçar o perigo contido em letras embaralhadas com sentido pela razão literária.

Em vão. Livros não viram cinzas. Religiosos, nazistas, fascistas, pais zelosos, todos voltaremos a ser parte do livro de areia borgeano – queiramos ou não.

O que ficará de nós, enquanto o tempo existir em algum lugar, talvez se ache nas letras encadeadas... em frases agrupadas... nas páginas do universo que construirmos.


Fahrenheit 451 (Inglaterra, 1966)
Direção:
François Truffaut
Baseado no livro de Ray Bradbury.
Com Julie Christie e Oskar Werner.


24.11.07

Andar junto

O horizonte guarda todos os caminhos na distância e expõe cada um deles à imaginação, para que, antes, o passo se firme em terreno menos árido, menos duro, menos simples que o chão. O passo, antes, pode ser alvo de partidas sem volta, dos desvios mais improváveis, de altíssimos muros que se erguem a perder de vista.

Até que se nota uma trilha tomada, e quão pouco o pensamento contribuiu para que assim fosse. As trilhas não vêm do nada – mas dificilmente recordam a conseqüência exata de planos cumpridos, ou desenham a imagem concretizada de sonhos ou pesadelos antigos.

Os caminhos se formam no tempo, mas não é apenas no tempo que se identifica um caminho. Como escreve o ditado, sabemos que estamos numa estrada se na mesma estrada andam outros. “Dize-me com quem andas” – e logo verás onde estás.

O melhor é que a sorte pura como água não explica o destino compartilhado que traz fôlego e repouso, une trajetórias, e faz surgir no tempo laços que parecem fora dele.

Para que possa ser contada, a vida é repartida com gratas testemunhas de nossas fraquezas e de nossos bons momentos. É à luz de testemunhos duradouros que um caminho se ilumina.

A sabedoria do eremita é triste porque não é sábia a falta de alegrias divididas. Por isso há um sentido que escapa quando personagens do nosso caminho estão ausentes. Mesmo se as companhias cruciais mudam ao longo do caminho – e com freqüência esta é a regra – é através delas que enxergamos alguma lógica na maluquice da existência.


Johnny & June (Walk the line, EUA, 2005)
Direção: James Mangold
Com Joaquin Phoenix e Reese Witherspoon.


9.11.07

O banquete

“De onde vem – essa busca? A necessidade de solucionar os mistérios da vida, quando as questões mais simples sequer são respondidas? Por que estamos aqui? Que é a alma? Por que sonhamos? Talvez fosse melhor não procurar resposta alguma, não ir atrás desse desejo de saber. Mas não é assim a natureza humana. O coração humano não é assim. Não é para isso que estamos aqui. Lutamos para fazer diferença. Mudar o mundo. Sonhar com esperança. Sem saber quem encontraremos pelo caminho. Quem, entre os estranhos no mundo, vai nos dar as mãos, tocar o nosso coração, e dividir conosco a dor de tentar.”

A gente acredita no que sente. E o sentimento realimenta a crença. O amor é uma sinapse forte. Uma sinapse que se repete. Por isso a gente ama o que conhece – a sinapse forte, repetida, dá sentido ao mundo percebido, formado por milhões de sinapses por segundo.

O mundo é montado em sinapses. As sinapses encaixam as peças do mundo. A gente crê nas sinapses, que nos delineiam a realidade e fazem do mundo, pra nós, um lugar real.

Para que a realidade cresça e floresça, precisamos de sentimentos fortes – de sinapses conhecidas. O mundo pode ser feio ou bonito: depende do sentimento forjado pelas sinapses.

As ligações nas extremidades neuronais, dentro do ponto criador de universos que é o cérebro humano, não explicam, contudo, a intensa busca processada por trás dos sentidos. O desejo de saber que nos compõe é tão radical que chega a negar-se, como se não restasse outra coisa para os habitantes de uma ilha do imenso negrume povoado de incontáveis outros planetas, estrelas e astros quase invisíveis, por inalcançáveis (como a fronteira do infinito para a vida protozoária, na escala do que vemos lá fora, talvez não muito diferente da nossa).

Negar a pergunta é comum quando a resposta demora ou escapa. O mais difícil é refazer a questão de modo a torná-la nova.

Apesar de sua raiz aparente – no extracorpóreo medido pelos sentidos – tomamos o sentimento por algo profundo. O que acolhemos à flor da pele remetemos ao nosso corpo íntimo. Remetemos à essência do que chamamos humanidade.

Uma essência que ansiamos transcendente, chave possível para os enigmas que percebemos e sentimos. Para os enigmas que somos.

Em um mergulho no conhecimento do corpo íntimo, a alma – essência transcendental em nós – de repente se revela nos porões da matéria viva que, temporariamente, ocupamos. E nos assalta a convicção – ou nos revigora a fé – de que sobram respostas nesta arca: pois deve existir muito mais em nossos genes do que supõe a nossa infante biologia.

No arco mágico a unir a natureza humana à natureza sem humanos, determinismo genético à explosão cósmica, bioengenharia à física das cordas e neurociência à física quântica, a consciência do que há em volta e dentro de si encontra um vasto campo intocado à frente, com o horizonte livre em quase todas as direções.

O banquete das velhas perguntas está só começando.

Heroes – 1ª temporada (Heroes – Vol. 1, 2006)
Criação: Tim Kring
Com Hayden Panettiere, Jack Coleman, Masi Oka, Sendhil Ramamurthy.

3.11.07

Cultivo à distância

O olhar aceita um sorriso e um abismo se desfaz. A parede de vidro some quando nos damos as mãos. O círculo indevassável de cada um abre passagem ao impossível na tangência do outro, que resume o espaço, suspende o tempo e distrai o abismo que nos aparta dos mundos fora de nós.

Absurdo é ganhar o privilégio do contato e perdê-lo inexoravelmente, no emaranhado de relações fluidas da “vida líquida” de que fala o sociólogo Zygmunt Bauman: “Não há como saber, pelo menos com antecedência, se viver juntos acabará se revelando uma via de tráfego intenso ou um beco sem saída”, escreve ele.

E o que há como saber com antecedência em nossa vida líquida que a cada dia parece escorrer mais rápido à revelia das dúvidas que imploram por menos pressa em direção à última gota?

O tempo de nossas relações líquidas é entrópico: desorganiza encontros, desarmoniza até os laços natos. Em uma hora dada de sua vida, pode estar mais perto quem está mais longe, e a ausência dos presentes pode ser bem clara. O pior tipo de romantismo agradece, o pior tipo de amor, ainda que seja o melhor consolo.

O tempo, no entanto, é também antrópico – depende o seu movimento dos passos que a gente dá. “Amar se aprende amando”: o tempo passado não destrói, apenas, relações enfraquecidas com os anos. A construção é feita igualmente no tempo. Poucas são as ligações fortes, em geral nutridas desde o berço, ou mantidas intactas no percurso.

Numa época de escassez e velocidade, a água, que já foi símbolo de placidez, é metáfora da turbulência. Sensações e sentimentos fluidos são turbulentos. Precisamos redescobrir a água. Ao invés de nos atirar à correnteza, mergulhar lentamente, reencontrar a lentidão.

Para reencontrar os mundos possíveis dentro e fora do nosso. Cada encontro não tem que ser um esbarrão. Lembranças podem ser doces e longas, e não um fragmento de memória quase cego de tão veloz.

Temos medo das invasões. De entrar sem convite, receber sem vontade. Ainda assim nos estranhamos – e talvez o temor seja o próprio estranhamento. Não há jeito. Familiares se estranham, grandes amigos se estranham, pessoas íntimas se estranham. O que nos leva a buscar em desconhecidos, e no convívio breve, momentos interessantes.

Aproximar-se é invadir, afastar-se é abandonar, no leito de água corrente. No leito de água corrente, qual a melhor distância para dois? Qual a melhor para todos?

Aproximar-se sem invadir, afastar-se sem abandonar, mergulhados num mundo alheio que nos reconhece em progressão – eis o cultivo do outro que nos arranca de vez em quando da abissal condição humana.

Cultivo capaz de transformar habitantes paranóicos em um mundo sedutor.


Invasão de domicílio (Breaking and entering, Inglaterra/EUA, 2006)
Direção: Anthony Minghella
Com Juliette Binoche, Jude Law e Robin Wright Penn.

28.10.07

Poética do corpo

A dança desenha sentidos simples para quem olha e sente o que vê.

O avesso da dança é o silêncio vestido com frases que se calaram e deixaram ausente o movimento.

Almas em cárceres tão amplos que vão além do horizonte podem se dar ao luxo de negar a dança e sua potência. A cor do mundo, com freqüência, desbota diante da única forma que cambia impressões sobre as demais. Mas a escuridão reinante desfia junto se o que anima a busca some da vista. Há múmias mais vivas do que isto.

O que nos anima? Quase nada. Quase sempre um tênue reflexo. Um olhar desata o gesto invisível perdido e reposto em cada passo ou no menor esboço de mudança no rosto, de si, de alguém. Olhares se cruzam pelo caminho. O caminho das cruzes do olhar.

São as paixões dispersas no palco que contam melhor o instante, do mistério transmitido de dentro para fora, que se transcende na contramão. O instante é a eternidade, de repente real.

A poesia não precisa ser dita? Tem que ser ouvida a poesia! Ainda que vague por nanodutos frágeis para todos os lados, sem direção, em um “caniço” arrogante e inerte.

A poesia no abismo de luz ao fim do percurso é o moto perpétuo jamais pensado, indispensável, chave de um segredo encoberto pelo próprio pensamento.

No animal consciente, o exposto não se impõe fácil.

O explícito pede espelhos. Imagens imploram por palavras. E o que é dito requer o esconderijo das últimas aparições.

Matemático e belo balé que se repete.

Para a contemplação muda.

Para a narração contemplativa.

Para o amor em plena forma de poesia.


Fale com ela (Hable com ella, Espanha, 2002)
Direção: Pedro Almodóvar
Com Leonor Watling, Javier Câmara e Dario Grandinetti.

15.10.07

Estrela cadente

Um amor ideal não se realiza, assim como não se projeta um verdadeiro amor. É contraditório o espírito romântico, e o tempo só faz piorar a situação, na esperança que desespera, no silêncio do que termina.

A esperança – na linda e singela definição contida no romance A mulher de costas, de Márcia Tiburi – é um medo verde, brotado no peito dos que têm paixão. Medo que finde o nem começado, medo colado ao desejo de completude a luzir nos olhos de quem ama.

Aliás, Márcia escreve como quem filosofa, e filosofa como quem conta estórias. Durante o programa Saia Justa, do canal GNT, exibido na semana passada, ela resumiu numa sentença a mudança nas relações amorosas – transição pós-moralista, quiçá pós-romântica – que nos afeta.

Uma mulher que mora sozinha perguntou que espaço deveria reservar para o namorado em sua casa, sem perder a privacidade e o prazer da relação. Tiburi foi clara e distinta: “O seu corpo, apenas, e nada mais”.

A resposta foi ilustrativa do novo mundo amoroso que germina, a partir de um novo e bem-vindo protagonismo das mulheres. Na tradição romântica, o corpo do outro é exatamente aquilo impossível de ocupar.

Para fugir do impossível, o romântico tradicional pensava noutra coisa, e arrumava impossibilidades maiores. Marcel Proust, ao tratar da insuperável ansiedade dos apaixonados, chega a dizer que a sua busca são todos os pontos do espaço e do tempo já ocupados e ocupáveis pelo corpo da figura amada.

Daí o ciúme como extrato obrigatório da cultura do amor romântico. O ciúme é o que aparece junto com a prisão da utopia (e a utopia da prisão).

Na época pós-moralista – longe da superação do moralismo, que resiste e se reinventa, como observa Gilles Lipovetsky – o corpo é tanto a conquista quanto o limite da nova ética amorosa.

Para o sofredor romântico, o corpo do outro é menos objeto e mais imagem, menos real do que fruto de uma idealização – já que o que sobra é a fantasia, ante a ausência da concretização. Inclusive a fantasia dos ciumentos, diante do desejo impossível de talhe proustiano.

O corpo do outro, no romantismo clássico, é feito estrela cadente riscando mais a imaginação que o céu. É romantismo da alma: da essência intocada e intocável, que faz do outro um deus, e o aprisiona, em reverência e vigilância.

No romantismo que desponta, o romantismo do corpo, o amor é compartilhado por dois sujeitos autônomos, que repartem o mesmo “objeto” da paixão. A noite estrelada deixa de ser o mote para um pedido exasperado, e se torna o espelho de laços oscilantes numa miríade de possibilidades.


Stardust (Inglaterra/EUA, 2007)
Direção: Matthew Vaughn.
Com Claire Danes, Michelle Pfeifer, Robert De Niro e Charlie Cox.